ELA e eu

Talvez alguém tenha notado minha súbita ausência deste espaço nos últimos dias. A razão para meu sumiço é que quando chegava em casa na sexa-feira, depois de deixar meu filho na escola, dei de cara com um homem engravatado, que segundo o porteiro, “estava me esperando desde cedo”.  O homem se apresentou como Mark Gible Sorenson e me mostrou uma credencial estranha que se não me falha a memória era uma parada chamada E.L.A – T.F.I.

Segundo ele, “a análise das minhas mensagens e dos dados que eu colocava na rede permitiram a E.L.A. descobrir que eu tinha informações importantes sobre um certo terrorista”. Ele não disse o nome, mas eu imediatamente pensei que fosse o Osama Bin Laden. Não sei porque pensei nisso, até porque já mataram aquele pulha, né?

Assim, a contragosto, fui levado para um apartamento do meu próprio condomínio e bloco, no terceiro andar. Era um imóvel que estava fechado, provavelmente que eles haviam alugado. O apartamento estava vazio, sem quadros, plantas nem móveis. Não tinha nada, só um velho banquinho de madeira, onde me sentaram. Fiquei peso lá durante horas respondendo perguntas completamente bizarras. A campainha tocou. Entraram mais quatro caras, trazendo uma mala. Um deles era bem mais velho, devia estar beirando uns setenta anos. Era o mais bem vestido de todos e parecia ser um chefão. Ele não me dirigiu a palavra e nem aos demais. Olhava para eles com um olhar penetrante. Havia mal naquele olhar. Pude sentir. A gente sabe como é.

Mark colocou um aparelho cheio de fios que eles retiraram de uma mala de viagem dessas pequenas com rodinhas, a típica mala de comissária de bordo. Enquanto me enchiam de fios, notei que eles não falavam entre si, apenas se olhavam. Lembro de ter pensado se eles não estavam falando telepaticamente, mas imediatamente pensei que aquela era uma ideia bem maluca. Ninguém consegue isso fora dos filmes dos X men, né?

Eu tive medo de que fossem me eletrocutar, mas segundo o simpático Mark, era uma “investigação invasiva indolor”. Eles meteram aquele monte de eletrodos na minha cabeça usando um tipo de touca de borracha. Eu estava algemado num banquinho, e obviamente não ofereci qualquer resistência, uma vez que seria estúpido fazer isso. Não sou agente 007 nem nada para tentar babaquices heróicas Hollywoodianas. Como sempre digo, diante de pessoas armadas eu danço até ballet! Após intermináveis minutos prendendo os sensores e passando uma espécie de óleo fedorento em mim, os quatro homens começaram a me mostrar estranhas fotografias. As fotos iam de modelos famosas a pessoas esquartejadas, crianças mortas e símbolos estranhos que não sei o que significam. Um dos homens mostrava as imagens num notebook. Os outros ficavam vidrados em outros aparelhos. O Senhor Mark dizia, “next” e o cara apertava um botão e a imagem do notebook mudava.  Eu estava entediado e tentei questionar qual a autoridade da E.L.A. norte americana para despencar lá da puta que pariu e vir a Niterói escrotizar um simples blogueiro de bizarrice, mas só ouvi um “shut up”. Eu estava atrapalhando o teste.

Do nada, Mark mandou o cara encerrar as fotos e passaram a perguntas.

-Quem inventou o avião?

-Santos Dumont. – Eu disse, claramente para irritar os caras e seu orgulho Yankee. Eles se olharam confusos, certamente não sabiam quem diabos era o Santos Dumont.

-Quantos anos você tem?

-Quem é Billie Clarke?

-Onde está Gouram Hakim?

 

-Você conhece Rolando Trujillo?

E por aí se seguiram um mar de perguntas tão estranhas quanto curiosas. Nomes de pessoas que não faço a mínima ideia de quem são, e perguntas banais, como “Qual era a cor da metanfetamina do Walter White?”

Quando chegou nessa, eu tive que rir: “Porra como vocês sabem a série que eu vejo?”. Os homens riram e não deram resposta. Estava claro, implícito ali que eles sabiam até a hora que eu ia no banheiro, “fazer um download”.

Eu me lembro que o homem mais velho finalmente abriu a boca. Ele me perguntou uma coisa que não sei mais o que era, e me disse algumas coisas que são confusas. Eram como palavras numa lingua desconhecida. Começava com “fa-fa-fa-Ziziziz… Bzzz. fafa-zizi”.  E aí, eu acho que dei uma apagada. Sei lá. Quando me dei por mim, minha cabeça tava latejando. Eles estavam ali olhando pra mim, em silêncio. Ninguém dizia nada. Eu só ouvia uma maldita duma serra de mármore ao longe.

Antes que eu pudesse fazer novas perguntas, ouvi que quem faziam as perguntas ali eram eles. Me avisaram para não falar sobre o que ocorreu, sob pena de ver meu nome numa lista de indivíduos perigosos. Mark fez questão de enfatizar que eu não devia abrir o meu bico, mostrando uma linda pistola cromada num coldre sob o terno.

Desmontaram a traquitana, me levaram até a porta, mas não saíram. Somente eu saí. Eles agradeceram minha cooperação e disseram que eu estava ajudando o mundo a ser um lugar melhor. Me disseram para ir beber água gelada em meia hora. Não antes. Achei aquilo estranho, mas a verdade é que naquela altura do campeonato, o que não era estranho? Assim, entrei no elevador e fui até o meu andar. Entrei em casa trêmulo. Estava claro que eu estava sendo monitorado. Minha casa devia estar cheia de escutas para todos os lados, ou talvez esses caras estejam vários níveis acima disso. Talvez estejam monitorando ondas cerebrais a esta altura do campeonato. Vai saber?

Sentei no sofá e fiquei ali, prostrado, sem saber o que fazer. Não havia para quem contar. Ninguém jamais acreditaria na minha história. Em certo momento, levantei e fui beber um copo de água. O cheiro fedorento da gosma que me esfregaram antes de colocar os sensores na minha cabeça  ainda estava grudado no meu nariz. Bebi água.

Imediatamente, como um flash, um choque ou sei la o que, fui acometido de uma terrível dor de cabeça, que parecia estar queimando o meu miolo. Percebi que as memórias daquele encontro estranho estavam sendo lentamente apagadas.  Só então lembrei que eles haviam me mandado beber água em meia hora e e eu estava bebendo muito antes. Fiquei tonto, achei que ia desmaiar. Comecei a esquecer as coisas. Primeiro foi o rosto dele. O Rosto de Mark já não era mais tão definido na minha memória.

Larguei o copo pela metade e corri para o quartinho dos fundos, onde eu sentia que o que quer que fosse aquela coisa fritando minha mente estava mais fraca. Peguei papel alumínio e enrolei minha cabeça nele. Não adiantou. Na verdade, acho que piorou. O papel alumínio estava funcionando como uma antena.

Sem saber o que fazer, enfiei a cabeça num balde com água. E aí sim, resolveu.  Eu fiquei o máximo que meu preparo físico compatível com um idoso de 90 anos permite, e sempre que levantava a cabeça para respirar, sentia a dor. Eram eles, sem dúvida. Na terceira tentativa de respirar, o sinal havia parado. A dor desaparecera como mágica. E eu ainda me lembrava. Lembrava daqueles caras. Lembrava de tudo.

Minha mulher chegou e me pegou na área, todo molhado segurando o balde com água. Meus olhos estavam vermelhos, porque era água com sabão e cloro para lavar o pano de chão. A princípio, eu não consegui contar a ela a verdade.

-Você tá botando a cabeça aí dentro?

Eu nem lembro o que respondi. O olho estava vermelhão, ardia muito. Corri para o banheiro sem explicar direito o que eu fazia molhado na área de serviço.

No banho fui lembrando os pequenos detalhes que haviam sumido nas brumas misteriosas daquele copo de água.

Ao sair do banho, resolvi contar tudo. Ela me olhou de modo estranho. Conferiu meus olhos vermelhos e perguntou se eu havia fumado alguma coisa. Eu disse que não. Mas certamente ela não acreditou. Se agarrava na ideia de que eu estivesse “viajando”, para não encarar a hipótese de que eu tivesse tido um surto psicótico relâmpago.  Tentei convencê-la dos agentes, e das perguntas, e da estranha máquina. Ela não acreditava. Levei-a pela mão até o terceiro andar. O apartamento estava lá, trancado. Eu jurava que eles ainda estavam la dentro, mas ninguém atendeu à campainha.

Voltamos para o elevador. Enquanto eu esperava, cabisbaixo, sentindo vergonha daquilo tudo, a porta abriu. Surgiu um homem  negro, todo sujo, que segurava um rolo de pintura e vestia uma camisa puída do Botafogo.

-Cês que tocaram aqui? – Ele perguntou.

-Confirmei que sim. Perguntei quem era ele, e onde estavam os homens.

O sujeito deu de ombros. Não sabia que homens eu estava falando. Ele disse estar ali o dia todo pintando o apartamento. Olhei lá dentro, e não vi nada. Jornais pelo chão, latões de tinta…

Mas não tinha cheiro. Nenhum cheiro de tinta. Perguntei a ele mas o sujeito não me deu ouvidos. Disse que já havia terminado e que estava de saída. E o banquinho, o banquinho estava lá, no cantinho da varanda. O banquinho em que fui sentado algemado.

Pedimos desculpas e saímos. Voltamos para casa. Eu não sabia o que dizer. Teria sido coisa da minha cabeça? Eu estava realmente surtando? Naquela noite, sonhei com Mark, com os homens. Lembrei de algumas perguntas. Acordei assustado, com medo uma vontade de vomitar horrível. Me lembrei de uma injeção. Tinham me dado uma injeção. Uma injeção no braço, perto do ombro. Ela tinha doído muito. Eu não lembrava da injeção até sonhar com ela. Mas certamente eles tinham de dado uma injeção. Os sonhos estavam trazendo memórias bloqueadas ou apagadas de volta. A injeção veio logo depois das palavras bizarras que me fizeram ficar zoado. O tal fa-fa-fa-zizizi… Não me pergunte que merda é essa. Não sei.

Me lembrei dos abduzidos e de como eles são submetidos a um procedimento parecido que embaralha e apaga as memórias recentes. E como relatam muitas vezes aliens falando a língua do “zizizi” entre eles.

Minha mulher me fez jurar que eu não ia dizer nada a ninguém. Ela tem medo que pensem que eu estou louco, mas eu sei que não estou. Sei que eles estão me vigiando, e investigando alguma coisa grande. Não sei bem o que é. Eles entraram na minha cabeça de alguma forma e certamente implantaram algo. A lembrança da injeção veio com um sentimento de sofrimento, de desespero e impotência. Eles estão por aí. Eles estão ligados, sabem de tudo. Vigiam todos os meus passos. Não há como escapar. Agora tenho medo de dormir novamente, de acordar com novas memórias. O que terão feito comigo? Ou aconteceu ou não aconteceu, e se não aconteceu eu estou pirando. Mas o pior de tudo é a dúvida, porque muitas vezes, bate uma nóia de que nada disso não aconteceu, de que tudo isso que passei é produto da minha mente, que está saindo de controle. No fim das contas, só resta o medo, porque das duas hipóteses, nem uma é melhor que a outra.

Minha mulher não toca no assunto, fica me olhando de lado. è como se não tivesse acontecido. Há um vácuo, um silêncio nesse assunto.

Lembrei que havia um jeito de saber. Fui na administração do condomínio, pedi para ver as fitas da segurança, mas o carinha disse que o aparelho estava com defeito desde sexta. Desde aquele maldito dia. assim, voltei no zero a zero. Não sei se aquilo aconteceu. A cada dia tudo parece mais e mais frágil, parece um delírio.

E se eles estão inserindo esses pensamentos na minha cabeça? E se essas ideias de que os homens, o apartamento e as perguntas estranhas são produtos da minha mente perturbada  são intencionalmente geradas por aquele estranho dispositivo? Como eu posso contar às pessoas o perigo que são esses homens sem parecer um doido varrido? Talvez com um conto. Talvez colocando tudo isso na forma de uma ficção. Uma ficção onde somente os fortes entenderão, mas que deixe sempre aquela esperta janela de fuga para que eu negue veementemente tudo que me exigirem.

Sim, é isso.

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Tem que comer alho, muito alho. Eles não suportam o cheiro de alho. E usar fone de ouvido com música alta, bem alta, sempre, pra confundir as ondas celebrais!

  2. “relatam muitas FEZES aliens falando a língua do “zizizi””

    “não tioca no assunto, fica me olhando de lado. è como”

    ótimo texto, mas sem querer ser chato, só corrigir esses errinhos de digitação

  3. Huehuehue essa do capacete de aluminio foi engraçada. Todo dia quando eu acordo eu lembro de conferir se não tem nenhuma marca estranha em mim.

  4. ei cara o lance do Santos Dumond foi Br fazendo Br com os Mib,poxa vei a sensação de ter uma conspiração mandando em td é esquisita

  5. Philipe arrebenta nos contos, muito bom mesmo! Parece até que tomou chá de lírio!! Mesmo os contos curtinhos são ótimos cara!!!

  6. To vendo você responder os comentários em tom humorado, mas você não me engana não rapaz. To ligado que essa história ai é real, to cabreiro, vou mais entrar nesse blog não, vai que esse tal de Mark vem em casa falar que to entrando muito em contato com o mundo gump!!

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