Dia mundial sem carros

Hoje foi o dia mundial sem carros. Quase não saí de casa, mas pelo pouco que vi o “dia mundial sem carros” micou.
Eu até estava levando fé que muita gente iria aderir quando vi que o prefeito do Rio iria trabalhar de bicicleta para comemorar e incentivar o dia mundial sem carros. Mas… Sinceramente? Factóide.
Se o prefeito do Rio realmente quisesse fazer alguma coisa de útil pela questão das emissões poluentes na cidade ele poderia começar criando um convênio com a Barcas S.A. para que as bicicletas não fossem vergonhosamente sobretaxadas na travessia da Baía da Guanabara. Isso permitiria que muitos niteroienses ( e olha que é uma cabeçada enorme) pudessem trabalhar de bicicleta.
Isso sim seria uma atitude útil e não papagaiada para jornalista ver e bater palmas. Ajudaria as pessoas, ajudaria a cidade, mas contrariaria os interesses financeiros da 1001, dona das barcas e uma das maiores empresas de ônibus do país.

Eu acho graça nessas atitudes motivacionais que se espalham pela internet através dos emails: Dia tal, apagar luzes, dia tal dar um pulinho, dia tal não ligar o PC, dia tal não ir trabalhar de carro.
Tudo muito bonito, muito presepado, mas cadê a porra da ação consistente? Onde que está a atitude para exigir que eletrodomésticos que consumam acima de uma determinada faixa não sejam vendidos, cadê a lei que garante a fiscalização de emissão de gases nas vistorias obrigatórias em todos os estados, em todos os postos de vistoria? Cadê a proibição de venda do Palio (que tem um problema recorrente de emissões, já alertado, já ameaçado e desobedecido na cara dura pela FIAT)? Cadê a solução da Petrobrás, que bate no peito para tirar onda de ambientalmente preocupada quando emite uma taxa de poluição ABSURDA com o excesso de queima dos resíduos nas refinarias? Cadê uma lei que permita que os automóveis saiam de FÁBRICA com kits de GNV?

Vamos fazer festa? Vamos. Vamos fazer show? Vamos. Mas não me venham dizer que isso tudo realmente combate alguma coisa, porque a verdade é que isso não passa de um monte de ação cenográfica, cujo impacto é tão pequeno que eu poderia dizer desprezível, mas não ouso fazê-lo, uma vez que essas ações, bem ou mal, ajudam a despertar uma consciência social. Então, eu penso que sob certa ótica, atitudes assim tem sua parcela de razão de ser, embora no dia seguinte, lamentavelmente, tudo volta a normalidade de sempre. Lá estão os caminhões vomitando fumaça negra, Detrans fazendo vista grossa para as emissões, seja porque a maquina quebrou e não tem reparo, seja porque nem sequer é exigido esse nível de fiscalização em alguns estados. As queimadas na amazônia continuarão, a falta de fiscalização e o propinoduto manterão o desmatamento clandestino, as carvoarias continuarão acabando com as florestas e com a vida de crianças, contratadas por um prato de comida ou menos.

Já passou da hora das pessoas se preocuparem. Até 2020, o setor de transportes será responsável por 77% do consumo total da produção de petróleo (estimada em 27 milhões de barris/dia). Considerando que a média global de ocupação do automóvel oscila entre 1 e 1,2 passageiro, estamos frente a um problema complicado, que piora ainda mais quando observamos a geopolítica mundial, com os países em desenvolvimento ampliando de modo dramático suas frotas a cada ano. Some-se a isso o aumento projetado para a densidade demográfica mundial. O consumo do setor de transportes já corresponde a 21% de toda energia produzida no planeta. E vai piorar, já que com a ascenção no numero de motocicletas as taxas de emissão irão aumentar assustadoramente, já que as motos são mais eficientes energeticamente e em contrapartida, poluem bem mais.

Ao meu ver uma grande parcela do problema encontra-se no fato de que o automóvel propelido a motor a combustão é muito ruim na questão da eficiência energética. Sempre foi ruim, mas se olharmos a história do motor a combustão, sobretudo no aspecto dos automóveis, veremos que ocorreu um “boom” tecnológico no setor desde a década de 60. Itens como a segurança, a estabilidade e o conforto pularam de qualidade, atingindo uma taxa qualitativa impressionante na década atual. Em contraponto, a racionalidade energética não apenas não recebeu grandes inovações como sob certos aspectos, podemos dizer que involuiu.
Praticamente todas as alterações feitas nos motores desde a década de 70 tiveram como objetivo aumentar a potência, dando mais velocidade e resposta ao motor, em detrimento de torná-lo mais eficiente energeticamente. Isso vem ao encontro dos interesses dos fabricantes de combustível, para os quais motores que consomem pouco são a mesma coisa que prejuízos potenciais. Eles querem vender.
O resultado disso é que hoje os automóveis são produzidos para andar em altas velocidades, algo enfatizado nas publicidades, sobretudo as focalizadas nos jovens. Além da velocidade, o automóvel é criado para viagens longas, enfatizando o conforto, a segurança e a praticidade de guiar. Porém, a ampla maioria dos trajetos de automóvel são feitos em extensão inferir a 20 km, o que implica em percursos feitos com motor praticamente frio e em baixas velocidades, o que se reflete num aumento de consumo e por conseguinte, aumento de emissões.
Outro aspecto do consumo é que grande parte desta energia é mal aproveitada, pois os veículos consomem energia sem se mover. Isso é muito comum nos grandes centros, quando as pessoas ficam engarrafadas. A taxa de energia que é convertida em trabalho útil (movimento) num carro é pequena. A maior parte (três quartos dela!) vira calor, pura e simplesmente, gerando como subproduto, o CO2.

É daí que eu concluo que uma atitude que realmente acrescentaria algo para o planeta seria o incremento tecnológico na questão da eficiência energética, bem como a exploração de novas fontes energéticas menos poluentes. Não estou me referindo aqui a esperarmos o Volt ou os carros movidos a Hidrogênio, mas atitudes simples como permitir que automóveis saiam de fábrica com motores híbridos Flex e GNV. Isso é atitude que tem impacto imediato.
Esperar que as pessoas resolvam tomar consciência e abandonem os carros é uma utopia. O que vai acontecer, segundo as previsões dos especialistas é que isso que já tá ruim ainda vai piorar! Vem aí os carros ultra-populares indianos e chineses. Eles são feitos pensando no consumo de massa urbano. Por conta disso tem preço baixo e motor pequeno. Acusados de passarem por pouca pesquisa de desenvolvimento, os motores desses carros poderão ser terrivelmente ineficientes, despejando grande quantidade de dióxido de carbono na atmosfera.

As pessoas querem os carros. O marketing da indústria automobilística levou quase um século incurtindo de todas as formas possíveis e imagináveis na cabeça dos consumidores que só há felicidade de fato a bordo do carro do ano. O carro hoje é mais -bem mais- que um mero meio de transporte. Ele é uma extensão da personalidade do dono. Não raro vemos pessoas lavando os carros para irem a festas. Um carro é como uma roupa. Algumas vezes são usados para impressionar, outras para exibir masculinidade ou estilo, além de estampar o padrão de vida do seu dono.
Os carros grandes e pesados, que consomem muito, bebendo feito gambás, são os hits do momento. A reboque dos Hummers, carros militares que ganharam o gosto dos novos ricos, surgem os SUVs, com rodas grandes, para aumentar ainda mais sua ineficiência energética e com seu espaço cada vez maior para ocupar as ruas e calçadas.

Pensando racionalmente, parece mesmo necessário fazer não só um dia mundial sem carros, mas um mês mundial sem carros ou talvez um Ano mundial sem carros. Mas o que eu proporia é uma campanha mundial para reduzir o desperdício. Sabemos que a necessidade de transporte para longas distâncias está cada vez maior. O transporte aéreo é uma clara demonstração disso, uma vez que São Paulo tem a segunda maior quantidade de aeronaves de baixa autonomia (helicópteros) no mundo, quase 500.
Em paralelo, o aumento das linhas aéreas só cresce. Para se ter uma ideia clara disso, na última década o volume de tráfego aéreo dobrou. O número de passageiros saltou de 23 milhões anuais para os atuais 48,5 milhões. O que pouca gente sabe é que o meio de trasporte mais poluente que existe não é o carro, mas sim o avião.
Eu não sei a quem interessa ocultar a informação de num corriqueiro vôo do Rio para São Paulo, cada passageiro transportado computa nada menos que 98Kg de Co2 para a atmosfera. São uma média de 200 vôos diários entre as capitais, transportando uma média de 4 milhões de passageiros ao ano (dados de 2007).
Isso só num trecho. Agora imagine para o resto do mundo.
Será que já não está na hora de pensarmos um “dia mundial sem avião” também?
Mapa do Tráfego Aéreo Mundial em 24 horas, feito pela NASA:

Fonte dos dados: O Futuro das estradas de Ferro no Brasil e Transportes e Mudanças Climáticas – Ambos do meu pai.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Traduzindo: Maglev Cobra!
    Eu, na verdade, bem que queria os Maglev na minha cidade. Um via só com Maglevs seria muito bom eseticamente, ambientalmente e também para o trânsito onde os motoristas de ônibus se metem por cima dos carros!

  2. Bem, não só o Maglev cobra. Mais tambem trens movidos a eletricidade seriam uma alternativa, eletricidade essa gerada com os paneis solares desse post [aqui]http://www.mundogump.com.br/energia-limpa-quantos-paineis-solares-sao-necessarios-para-alimetar-o-mundo/[/aqui] :cool:

  3. Philipe, aproveitando o papo de Maglev (o qual eu sou entusiasta), soube que ele teria um problema técnico complicando ou até inviabilizando mudanças de faixa / desvios.

    É verdade isso? Caso seja, já estão pensando em alguma maneira de contornar o problema?

    Abraços!

    • Tem sim. Mas é o maglev da transrapid, que agarra a via por fora. O nosso agarra a via por dentro e então não tem problema de mudança de faixa. Aliás, é mole de mudar de faixa. Mudou o campo, ele acompanha.

  4. Fala Philipe… vou comentar algo que nada tem a ver com o post. Sem querer vi um blog tem, bem desatualiizado (3 anos) e virei meio que fã das bobeiras, seriedades e “gumpisses”. E até confesso que relembrei de muita coisa da minha vida. Quero te dar os parabéns pelo blog e recomendarei a muitos. Abração de mais um seguidor.

  5. Caro Philipe,
    Não é de hoje que leio o seu blog, inclusive o RSS está lá no Outlook, mas não havia comentado ainda.
    Mas essa postagem de hoje não dá para ficar calado.
    Concordo em gênero, número e grau com teu pensamento. Hoje no jornal local estavam falando do dia mundial sem carro.
    Eu há muito tempo já penso em deixar o carro em casa e ir para o trabalho de metrô, já que mesmo fica a uma quadra (de Brasília) de casa e do trabalho, mas como se o número de vagões são insuficientes?
    Perceba bem, eu não quero ir sentado, eu quero apenas poder entrar no trem.
    Neste mesmoo jornal mostrou a insegurança que estão os estacionamentos das estações do metrô aqui de Brasília. Escuridão, nenhuma segurança para os veículos (são furtados em plena luz do dia), falta de vagas para estacionar etc.
    Quando os governantes irão realmente deizar a demagogia e trabalhar para que o cidadão use o seu direito de ir e vir? Não seria o ideal, deixar o carro na estação, pegar o trem e na volta pegar o carro para se deslocar até a residência?
    Quem sabe um dia…
    Abraço e parabéns pelo seu blog.

  6. e é por isso que eu ando dez kilometros por dia pra ir e pra voltar da faculdade. não é caro e , segundo o livro “apocalipse automtivo” da coleção baderna,é (o pé) o meio de transporte mais eficiente que existe.

  7. Nossa, concordo com vc phillip!! eles fazem isso para tirar atenção dos problemas verdadeiros.. ficam lá falandode cuidar da amazonia e no mesmo instante ela tá sendo dismatada, para vc ter ideia, aki onde eu moro é cerrado, e 70% foi desmatado, por causa de plantações agricolas! os biologos estão estudando para ver o que perdeu! pois é muiita diferença.. :(

    hein, vc tinha a um tempinho ja, feito um post da bateria que durava 2 anos acho.. tem noticia dela?

    • Parece que a Fiat e o Minc andaram se estranhando por conta de umas emissões que o palio liberava. A Fiat foi advertida três vezes pelo governo e nada fez. Me parece que quando o assunto engrossou, eles tomaram uma providência e resolveram. Isso aconteceu em meados do fim do ano passado.

  8. Imagina se todo mundo realmente aderisse a isso, o caos que n ia ficar no transporte público. Ele mal comporta as pessoas que andam normalmente, numa situação dessa ia ficar bem tenso.
    Maaas, de qualquer forma, ironia ou não, ontem tava um trânsito master em São Paulo, cacilda.

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