Chaves e a morte de Roberto Bolaños

Fiquei muito triste com a morte do Roberto Bolaños. Nunca escondi que gostava muito de ver Chaves. Creio que poucas vezes na vida que eu estava zappeando em busca de alguma coisa e achei o chaves eu continuei a zappear. Eu sempre travava no Chaves, Chapolim ou qualquer outra criação de Bolaños, que acaba de falecer aos 85 anos.

Principalmente se eu já tivesse visto, o que é uma coisa que por si só, constitui um mistério pra mim.
Além de gostar muito, eu era admirador da obra dele sob o ponto de vista estrutural dos roteiros, e muito interessado não apenas em suas histórias na tela, mas também nos formidáveis enredos do mundo real, marcados por conflitos, brigas, ciúme, inveja, romances, amizade, morte, solidão…

CHAVES3

De cara, com a morte de Roberto Bolaños, duas coisas me chamaram a atenção. Em primeiro lugar a gigantesca comoção. De outra, pessoas fazendo pouco caso.

Eu consigo compreender as duas coisas e não creio que me caiba explicar qualquer uma dessas duas posturas antagônicas surgindo na era do “neoantagonismo internético“. Por minha parte, pensei em escrever sobre ele logo que soube da morte, mas resolvi esperar. Achei precipitado escrever sobre esse cara sem antes saber se só eu estava sentindo uma grande perda. Ora bolas, eu não conhecia o cara, eu não era da família, e assim, por que diabos eu deveria estar com aquele aperto no peito e com a sensação de final de festa? Ele nem sequer era do meu país!

Refletindo, percebi que a minha razão e a emoção haviam encontrado uma bifurcação chamada Roberto Bolaños. Por mais que eu soubesse que esta é a morte de um vovozinho mexicano com o qual nunca travei contato, nunca o conheci, por outro lado, ele construiu um personagem que passou comigo muito mais horas que a ampla maioria das pessoas que eu conheço, tirando algumas poucas. Um personagem fictício, é verdade. Mas para o coração, não se separa a ficção da realidade. Por isso, amamos tanto o Chapolim Colorado quanto o etezinho perdido que só queria voltar para casa no filme do Spielberg. Não interessa se aliens com cabeça telescópica e dedos que acendem não existam. Para a mente infantil eles existem e pronto.

Vi pessoas dizendo que com sua morte, o mundo perde mais um gênio. “Gênio”.

Gênio é uma palavra tão desgastada hoje em dia que apresentadores de programa de Tv já chamaram o Michel Teló de gênio. Muitas pessoas imediatamente surgiram para dizer que não poderíamos dizer que o autor do Chaves era um gênio. Que essa palavra estava reservada à aqueles que manifestam capacidades sobrenaturais logo que saem das fraldas, como Mozart, ou os que revolucionam o mundo, como Isaac Newton. As pessoas que somente conseguem deixar as outras felizes, mesmo que por quase quarenta anos, não podem ter direito a essa alcunha de gênio.

Disseram que Chaves é tosco. Que o cenário é pobre, que as atuações são exageradas, que a maquiagem é quase inexistente, que os diálogos são simplórios, que há pouco ou nenhum subtexto e que há situações tão repetitivas que até um macaco poderia escrever um episódio.

Com relação às repetições, chego a sentir pena quando leio pessoas querendo dizer que o roteiro de chaves era “repetitivo”, ignorando que um dos vários métodos de construção da comédia, além da inversão, da interferência e do exagero, é a repetição um dos mais poderosos.
Chaves era repetitivo de propósito, não era um “erro” ou falta de conteúdo. Enquanto roteirista, Roberto Bolaños podia usar o bordão do Chapolim, que diz que “todos os meus movimentos são friamente calculados”. Eram. Além de interpretar, ele sabia fazer rir e chorar.

Um produto que é a soma de diversos talentos individuais
Chaves: Um produto que é a soma de diversos talentos individuais

Muitos sugerem e atribuem grande parte do êxito de Chaves à capacidade de Roberto Bolaños de fazer roteiros. Em parte sim, é verdade. Mas é inegável que todos os atores da trupe tem um papel vital no sucesso dela.

Hoje é assim. Se surgem muitas pessoas nadando numa direção, alguém vai querer nadar na direção oposta, para poder dizer: “Lá vai o povo, lá vai o gado, os idiotas apatetados que não sabem nada, que nunca viram “O labirinto da solidão” e que não são tão inteligentes e especiais como eu sou!”

Claro que há quem não goste do Chaves, Chapolim e correlatos de forma legítima. Não gostar é um direito sagrado de qualquer um, e o autor sabe de antemão que está sujeito a isso. O problema é o cara que diz que não gosta de alguma coisa só porque viu que muitos dizem que gostam. Esse é o que cientificamente chamamos de “babaca”.

É o problema de sempre com a elitização. Enganam-se os que pensam que elitização é um mal do capital. O capital intelectual, – ou ainda pior, o pseudocapital intelectual– é por natureza um produto elitizante, e diante de uma grande demonstração de comoção, como aqueles que se consideram baluartes da inteligência humana farão para se destacar da massa amorfa dos energúmenos?

Ser do contra sempre funciona na política, deveria funcionar também com óbitos de atores e palhaços. Mas infelizmente, não.

Chaves era um programa tão interessante, que se tornou  um espelho. Espelhava uma sociedade pobre latino-americana, de pessoas que viviam em cortiços. O menino pobre do apartamento oito, (não ele não morava naquele barril)  que nunca disse seu nome real, era o espelho de criança pobre que todo mundo podia bater, e todo mundo batia mesmo.

Chaves também era um espelho inversor. Refletindo uma infância que em muitos casos já não existe mais.
É no mínimo curioso que numa época onde as crianças são rapidamente “adultizadas”, onde os programas voltados para as crianças inovam ao estabelecer temas polêmicos como aborto, gravidez precoce e outras coisas como crianças tendo namorados e até amantes, ou seja, programa de crianças agindo como adultos, Chaves era um programa de adultos interpretando crianças.
Enquanto hoje todas as produções precisam ser “engajadas” (e que estarão datados na semana que vem) , com dilemas morais como preconceito, drogas, traições, gravidez na adolescência e tudo mais, os dilemas em Chaves eram banais como Seu Madruga tentando dar certo em algum emprego, trocando uma lâmpada ou simplesmente lembrando de quando foi boxeador no passado. Isso é ser pobre ou é ser atemporal? Pra mim isso é ser atemporal.

Peço licença para comparar a construção de um roteiro à de uma ponte. Pergunte a qualquer bom engenheiro sobre “a melhor solução” e você poderá ouvir uma aula sobre a “elegância” num projeto. A elegância, seja na Engenharia, seja na Matemática não está na finalização do problema em si, mas na forma como a solução é obtida, num princípio econômico que permeia a construção dessa solução.

Ao longo de muitos e muitos anos, já vimos diversas soluções possíveis para os mesmos problemas de Engenharia. Mas geralmente, quando uma solução elegante é obtida, sobram poucas dúvidas de que ela é a melhor entre as demais. Na Engenharia, como nos roteiros, é muito (infinitamente) mais fácil fechar um problema de forma deselegante, através da complexificação.

Encontrar a simplicidade, por sua vez, requer uma “queimação de mufa” suprema. Há uma beleza Zen nisso. É preciso queimar a mufa, suar os neurônios, malhar os miolos até que se encontre uma solução que leve do A ao B com elegância.

Fazer muito com muito, não é vantagem. Brilho mesmo é fazer muito com pouco, ou com nada. Aí sim.

As pessoas falam de tudo. Hoje, todo mundo tem algo a dizer. E mesmo os que não tem, costumam fazê-lo. Estranhamente, apesar de ser esta a época em que cada um pode cagar pelos dedos sua imbecilidade dizer o que bem entende sobre qualquer assunto, é estranho que não tenha surgido outro programa nem remotamente similar aos programas que fizeram de Roberto Bolaños um homem tão famoso e celebrado no mundo. Não lhe parece estranho isso?

Talvez realmente não possamos chamar este cara de gênio, embora eu desafie qualquer pessoa a produzir sozinho um único texto que faça as pessoas rirem. É possível? Para uns poucos viventes, sim. E dois? E Dez? E cem?

Quantas pessoas conseguem fazer isso por uma década inteira, e após acabar o trabalho, ter o produto sendo exibido diariamente por quatro décadas no mundo, em países tão diferentes quanto Tailândia, China, Japão e Grécia?

Pode ser que exista alguém que consiga rivalizar com Roberto Bolaños. Certamente todos os países possuem algum expoente intelectual capaz de produzir coisas para divertir o seu povo (e com sorte, o povo de outros países). Vejo muita semelhança na produção de Bolaños com o que fazia o nosso Mazzaropi – Igualmente acusado de ser humor de baixa qualidade, tosco, focado em ignorantes. Tanto Roberto Bolaños quanto Mazzaropi conseguiram fazer obras imortais, atemporais, que divertem sem se comprometer, mantém em seu cerne uma denúncia política velada, tão integrada ao produto audiovisual que passa quase que subliminarmente. Tão subliminarmente que pode ser interpretado por certas pessoas como uma “ode à pobreza”, ou como verdadeiras “óperas do conformismo” como acusaram o trabalho de Mazzaropi de ser.

Avalie, meu amigo, quem hoje em dia conseguiria fazer o que Bolaños fez em cenários de papelão e isopor, usando somente uma meia duzia de amigos, sem iluminação direito, com áudio de baixa qualidade, e ainda assim conseguir vender para o mundo todo, com tamanha audiência consistente ao ponto do programa ganhar espaço no horário nobre de diversos canais.

Mas espere, você tem que pensar também que o cara que faz isso, que já soa quase como um milagre televisivo, ainda começa a interpretar os personagens que ele criou, assim, ele é também um ator, e não obstante, os papéis exigem verdadeiros atributos físicos de um acrobata circense. Mas pense em alguém que faz isso começar aos 42 anos de idade!

Há quem faça? Há! Chico Anysio fez. Escrevia, atuava, virava vários personagens e foi homenageado e enterrado com todo o respeito que um herói do povo merece, por ser considerado um gênio.
Mas quantos além desses dois?

Me desculpem, mas quem faz isso é gênio.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Talvez a tristeza venha de perceber que mundo da gente morre antes de nós.
    Mas sim, Roberto Bolanos, Chaves , era um genial seu trabalho, talvez ele não seja um “ás” no que fazia, porém fez tão bem feito que é digno da comoção dos fãs. Os outros shows desse autor eram bem legais, simples e divertidos, como Chapolin e o Doutor Chapatin. Quem acha que gostar de Chaves é ignorância tenho é pena. Inteligência e Erudição de uma pessoa não impede em nada dela gostar de filmes como Alien, programas como Esquenta (terrível né, mas), livros do Harry Potter e tudo mais.

    • ignorantes é quem nunca viu chaves por achar ser ignorante .um programa q faz as pessoas rir sem parti para o palavrão ou pornografia deve ser chamado de gênio

  2. Cara, sinceramente, NUNCA em toda minha vida consegui assistir a um único episódio do Chaves. Mesmo quando criança, sempre achei monótono, repetitivo ao extremo, e chato de doer. Lógico que é um direito meu, mas não é esse o ponto. Eu também não gosto do Lars Von Trier, mas reconheço algo de qualidade no cara. Já esse Bolaños pra mim sempre foi a epítome do humor rastaquera, de baixa inteligência.

    • Se Chaves era um “humor rastaquera, de baixa inteligência”, fico imaginando o que você assiste, fera; pelo visto, é fã do Zorra Total!

  3. opa! tudo bom? cara, gosto do chaves e da turma toda aqui, inclusive estava assistindo um episódio na tv do chaves,e pensei comigo… puxa o chaves deve estar velho já… será que já morreu? mas logo depois pensei…não,não morreu, se tivesse morrido ia dar o maior alarde. pronto, passou 3 minutos veio a notícia. arrepiei até cara.
    bom, eu, apesar degostar do chaves e da turma toda, não fiquei triste muito não…penso asssim, pxa ,o cara produziu muito, casou , teve filhos, lutou, desfrutou do que conseguiu,perdeu tbém,enfim viveu,né? tá beleza.
    concordo com tudo o que vc disse aê no post. abraço e manda está certíssimo, tenho muita admiração com quem faz muito com pouco,é isso aê.

  4. Chaves foi pra mim o maior humorista de todos os tempos! Simples roteiros (historias) com excelentes atores. Se foi um gênio. Triste mas eternizou varias gerações.

  5. Passada a comoção, fiquei enojado de uma turma escrota que usou a morte de Bolaños pra fazer politicagem. Tipo umas colunistas da folha que falaram aberraçõess do tipo menos Chaves e mais um humorista que eu nunca ouvi falar, e alguns esquerdóides e feministas que tentaram denegrir o seriado como ‘machista, homofóbico, capitalista-opressor’ e demais bobagens.

    • Aquilo é idiotice pura, já que o Cantinflas era também um humorista excelente, de certa forma bem parecido com o Mazzaropi. O próprio Cantinflas reconhecia o talento de Bolanos ao ponto de pedir a ele para que escrevesse um programa para seu personagem Cantinflas.

  6. Ok. Que o Bolaños foi um dos grandes do entretenimento, temos de reconhecer que foi. Entretanto, nunca gostei de Chaves, Chapolin e cia. Simples assim.

  7. Caraca, até então eu não sabia que existiam pessoas que não gostavam de chaves. Nunca conheci um ser desses…

    Adorava chapolim, o episodio das pedras que flutuavam me dava medo quando criança.

  8. Puxa…Você conseguiu expressar certinho o que eu estava sentindo. Triste é viver em uma era onde temos acesso a tanta informação e ver o crescimento da ignorância. Chaves e Chapolin são marcos pra mim. Acho magnifico você conseguir fazer rir, é um dom maravilhoso e Bolaños tinha isso. Parabéns pelo texto!

  9. Parabéns pelo texto Philipe. Expressou em palavras o que senti e o que li a respeito da partida desse GENIO.
    Acho que tão marcante quanto a partida do Bolanõs será o dia quando o Silvio Santos se for.
    Eu me considero feliz por pertencer a geração que pode vivenciar e crescer vendo “as mesmas piadas”, rir do humor “idiota” como li em alguns posts no FB. Me considero feliz por ter vivido uma geração que se por um lado não tinha acesso a tanta informação e tecnologia como hj, por outro lado sobrava criatividade, humor inteligente e uma coisa que sinto muito a falta hoje…humor infantil e inocente como os Trapalhões da década de 80 .
    Talvez seja um reflexo do peso da idade dos 40 chegando, mas começo a sentir o mundo um lugar menor, com pessoas fúteis demais e que tem apenas um conhecimento parco, ou pior…sentimentos rasos e somente de aparência bonita, mas sem conteúdo…
    Sobra a saudade e lembranças de tempos que não voltam mais.
    Abraços

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