A arte de saber ser o que não é: Do milionário dançarino à Virgínia Woolf

Vivemos num mundo extremamente curioso e intrigante, é verdade. Dentre os fenômenos mais instigantes na ampla gama de doideiras às quais podemos nos debruçar pela  vida toda, está a necessidade humana de se vender como algo que não é. A esse comportamento, que talvez seja inato à condição humana, a Psicologia dedicou anos e anos de cuidadoso escrutínio em busca dos mecanismos que nos levam a construir o que até hoje mais popularmente se reconhece como PERSONA.

Uma coisa interessante sobre fazer terapia, é que descobrimos que não somos quem pensamos ser. E muito menos que os outros nos vêem como de fato somos, – ou que pensamos ser – de modo que o estado natural das coisas envolvendo esse impressionante agrupamento de átomos que alcunhamos de “ser humano”, é o permanente e mutante estado de confusão. Dizem as más línguas que de perto ninguém é normal. No fundo, isso é a mais cristalina verdade, inclusive sob o nível subatômico e quem sabe mais ainda no quântico.

Mas mesmo à distância, se podemos inferir algo como uma certeza difícil de contradizer é que alguns mais, alguns menos, somos construídos não apenas de dentro para fora, mas também de fora para dentro. É o olhar do outro que muitas vezes nos faz ser quem somos – ou – novamente, quem pensamos ser.
Lembro-me de uma vez estar com meu péssimo hábito de andar com a antena ligada na conversa alheia. E nesse dia, eu estava numa sala de espera de médico, quando sem absolutamente nada para fazer, me vi atento escutando uma conversa entre duas senhoras, mãe e filha, certamente, a julgar pela aparência e pelos assuntos. Em certo momento, a idosa conta que “mudou de cardiologista”. Intrigada, a filha questionou a decisão. “Mas ele está com a senhora há uns vinte anos!”

Eis que a idosa explicou que numa consulta, ela viu o cardiologista dela numa foto, tocando guitarra numa banda de rock . Assustada, ela perguntou sobre a foto e soube pelo próprio, que ele era guitarrista numa banda.

-É um absurdo. Eu não esperava isso dele!  – Dizia, ressentida.
Para a idosa, um cardiologista não pode, sob nenhuma hipótese, “dar este tipo de expediente” e tocar guitarra com jaqueta jeans surrada, porque aí ele  não será o homem sério de gravata e jaleco branco que ela construiu. Essa senhora era um típico caso onde o observador precisa construir um estereótipo onde encaixará o mundo para que tudo faça sentido e uma vez que se revele qualquer peça fora do seu lugar no “tabuleiro”, isso a incomoda profundamente.

Basta uma olhada nas redes sociais, nos campos de comentários deste ou daquele portal, para vermos a nítida realidade de que muitas vezes, a idolatria ou mesmo a decepção com figuras públicas se dá porque “se espera que elas sejam de uma forma específica” e quando eles não dão aquilo que se espera, o resultado é a frustração.

Pense na merda que deve ser ganhar a vida como galã sexy de novela. Todos esperam que você faça sua melhor cara de conquista e tenha aquele olhar penetrante e a voz máscula o tempo inteiro. Você não pode sorrir, você não pode demonstrar emoção. Você precisa ser aquele tipo de James Bond vinte e quatro horas por dia e aí no dia que o cara é filmado fazendo o que gosta de fazer: “O mundo está chocado!”

Aí dá ruim.
Aí dá ruim.

Dito isso, talvez você se pergunta o que diabos tem a ver o milionário dançarino com a escritora Virginia Woolf. Nessa altura do post, eu preciso ser franco com você e assumir que só tenho uma vaga ideia de como ligar esses dois personagens.  Vejamos:

O milionário Dançarino

Talvez, se você for uma pessoa afeita às redes sociais, já deve ter visto pelo menos um dos videos desse cara, que de tão presepeiro, simplesmente não consigo deixar de ser fã dele, porque fazer presepada é uma coisa, mas ele presepa num nível semi-jedi.

Se você não sabe quem é esse coroa soltando a franga com essa moça com pernas a la Dona Florinda aí, eu explico. Esse é Gianluca Vacchi.

Gianluca Vacchi
Gianluca Vacchi

Gianluca é um cara milionário (há quem diga que ele é bilionário) que ganhou fama brutal ao exibir seu estilo bon vinvant para as pessoas da internet. Ele aparece dançado na beira das piscinas de suas mansões pelo mundo, em suas lanchas e iates, veleiros, ou no seu jatinho, e até mesmo dentro do closet da esposa dele que é maior que meu apartamento inteiro.
Eu me lembro a primeira vez que vi um video desse cara dançando na internet, e achei bastante divertido. Fiquei me perguntando se eu teria coragem de fazer o mesmo quando chegasse aos 50 anos. E certamente que minha resposta mental foi uma gargalhada sonora, pois… É obvio que eu tenho.

Mas a questão é: Por que um cara que tem tudo, resolve requebrar na internet? Até então eu não sabia nada dele além de saber que ele é “milionário dançarino”, como ficou conhecido. Então eu fui atrás e há um tempo atrás passei a acompanhar o perfil desse cara. Estudei o que o fez ficar rico e como se deu sua mudança de um sério homem de negócios italiano. Ele ficou rico fazendo trailers e motorhomes, e hoje é  acionista de 30% dos negócios da família ‘IMA’ que fatura cerca um bilhão de euros por ano com a produção de máquinas dedicadas a produtos farmacêuticos, de cosmética e alimentares. Foi uma mudança e tanto de um engomadinho para um sujeito de bronzeado permanente, tatuagens malucas e roupas… assim:
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Eu cago e ando solenemente para “celebridades”. As “celebridades” que eu sigo, são Rick Backer, Mark Newman, Jordu Schell e Phillipe Faraut… Que a maioria das pessoas normais (eu disse as normais!) nem imaginam quem sejam. Mas eu sei reconhecer um cara carismático quando vejo um, e aqui está um carismático puro-sangue.

Apesar de dar umas rateadas ele é casado com a moça da dança lá e gosta de... Bem você entendeu.
Apesar de dar umas rateadas ele é casado com a moça da dança lá e gosta de… Bem você entendeu.

Então, depois de ficar um tempo acompanhando as aventuras desse cara pelo instagram (na época cheguei a pensar em fazer um personagem num livro que era baseado nele), comecei a questionar uma coisa: Gianluca Vacchi é aquilo ali? Ou quem está ali é um personagem construído por alguém que pode comprar tudo de material que há para ser comprado e por isso sua conquista mais ambiciosa é a conquista da fama? Será?

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Gianluca diz que ele tem o instagram para mostrar seu estilo de vida. Não duvido, mas será que ele fica dançando o tempo todo na beira da piscina?

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De cueca no jatinho. Ué, não pode?
De cueca no jatinho. Ué, não pode?

Dando cavalo de pau com a moto (um modelo Harley que é sensacional, aliás) ou quase adernando o gigantesco iate nas águas azuis da Sardenha ou de cueca num jatinho… Há um quê de necessidade de aparecer aí? O que você acha?

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Gianluca estará sendo quem ele é? Gianluca estará apenas dando o que se espera que ele dê? Ele está sendo escravizado pelo desejo de reconhecimento por seu comportamento excêntrico?

Não sei. Talvez seja tudo isso de uma só vez. Seja como for, uma coisa é certa. Este cara é bem sucedido em seu objetivo. Se ele queria se tornar “o cara mais descolado do mundo”, conseguiu. Se queria seguidores então, foi um golaço.  Vacchi descobriu o poder das redes sociais em 2014, quando percebeu o jogo de sedução comunicacional existente no fascínio pela riqueza. Atualmente, a sua conta de Instagram está chegando a seis milhões de seguidores. O seu vídeo mais viral foi visto cerca de 8 milhões de vezes.

Mas uma coisa me chama muita atenção sobre esse cara que é o discurso. Em uma recente entrevista ao Corriere della Sera, ele disse:

 Eu não quero ser presunçoso e dizer que eles têm de se identificar comigo, mas eu quero contribuir, de alguma forma, no processo de aprendizagem. Os jovens veem em mim um modelo a seguir porque percebem que não tenho máscaras, que mostro aquilo que sou.

Parece uma frase feita para este post. Será mesmo que nós, todos nós humanos mostramos aquilo que somos? Que não temos máscaras?

As redes sociais são a maquina de construir as máscaras. A própria estrutura do sistema não nos permite ter uma visão abrangente de quem quer que seja, construindo narrativas estereotipadas, apenas com base um um leque muito limitado do que se mostra lá, é muito fácil ter uma visão distorcida das pessoas.

Vamos falar de outro milionário?

Boris Bork é um milionário russo, PODRE, muito PODRE DE RICO.  Ele tem de tudo que você imaginar. Sua vida é andar em carros de luxo, comer em restaurantes premiados, viajar em seu próprio helicóptero e, contar dinheiro.

Boris é uma versão russa de Gianluca Vacchi no Instagram. Até na aparência!

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Boris Bork possui algo mais que apenas a aparência em semelhança ao milionário dançarino made in Italy. Ele curte mostrar tudo isso no Instagram, compartilhando sua vida de moscovita milionário com seus mais de 18 mil seguidores. Chegou até a aparecer em um clipe de uma conhecida banda russa.

Boris parece ter a vida dos sonhos, mas… Ele não existe.

Boris não é real, e sim um experimento social criado por dois amigos que queriam provar que não é preciso ter muito dinheiro para criar um personagem que viralize na internet. Seguindo os passos do Italiano, eles criaram um homem com aparência similar, levaram o cara (um aposentado que ganha cerca de R$ 600 de aposentadoria) para dar um rolê em carros alugados, fazer fotos em cafés caros (sem pagar) e entrar em lojas e fingir que está num closet. O resultado foi incrível: O numero de seguidores deu um salto brutal, e logo Boris Bork o milionário inexistente, recebia propostas de empresas e grandes marcas de luxo para exibir os produtos na rede em “parcerias”.

No fundo, a sensação é que ja vimos isso em algum lugar ou em mais de um. E um desses lugares é na televisão:

Beto Rokefeller era um pobretão que se passava por playboy rico e conseguia se infiltrar no Jet-set da alta sociedade. Uma novela que dividiu a história da Tv em antes e depois de seu extraordinário sucesso. Fez tanto sucesso que teve continuação, isso mesmo, novela com continuação e também virou filme e fotonovela. Só não virou videogame porque videogame ainda não existia, senão tinha virado.

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De volta ao truque do milionário russo, somente após seis meses, o jovem criador do fenômeno, revelou em um post no Facebook a verdadeira história do famoso milionário.

“Me surpreendi como, gastando apenas US$ 800  em dois meses, pude fazer com que dezenas de milhares de adultos acreditassem em uma pessoa que não existe”, disse Zaripov. O que mais o surpreendeu, segundo ele, foi a facilidade de enganar as pessoas, que “deveriam comprovar a veracidade da informação (que se publica nas redes sociais), e não parecem fazê-lo”.

Essa “pesquisa” disfarçada de pegadinha, revela algo mais sobre o comportamento humano. Para os seguidores de Bork, não importa quem ele seja de verdade. As pessoas não procuram saber a verdade, porque simplesmente, NINGUÉM LIGA para a verdade. Ninguém está nem aí para a verdade. As pessoas querem ser fascinadas, querem ser encantadas pelo luxo e ostentação de uma vida que nunca tiveram e muito possivelmente jamais terão. Elas experimentam a sensação de se imaginar nos carros de luxo, nos cafés sofisticados e com a vida descolada dos milionários. Então aqui está um ponto até sob uma certa ótica trágico dessa vida: As pessoas continuariam seguindo Gianluca se fosse qualquer outro ali, vivendo aquela vida, fazendo aquelas presepadas. Elas não estão lá por ele, mas pelo que ele dá a elas: A possibilidade de fantasiar uma outra realidade. A fama, é um produto em grande parte de uma busca de escape.

Ser ou não ser… Eis a questão!

O mundo, meus amigos, esta cheio de gente querendo parecer mais do que é, e é irresistível não lembrar da deliciosa treta entre Bel Pesce e o Izzy Nobre esse ano… Porém, um dos casos mais interessantes sobre pessoas “descoladas” inexistentes enganando trouxas, se deu aqui no Brasil há anos atrás. Eu estava chegando em casa quando liguei a Tv e assisti isso aqui:


Foi o episódio conhecido como ” o maior picareta do Brasil”.

Marcelo Nascimento da Rocha é o nome de um estelionatário Brasileiro que certa vez viveu ao vivo e à cores uma vida de Beto Rockefeller. Ele se infiltrou num evento cheio de famosos, em pleno camarote vip do Recifolia e se passou pelo filho de Nenê Constantino, o filho do dono da Gol Linhas Aéreas, que ate então era um cara ricaço, mas recluso. A história desse cara rendeu até um livro – que eu li e posso te dizer uma coisa: Essa trollada épica no Amaury Jr É PINTO perto do que esse cara ja fez. Há no Netflix um documentário sobre a vida dele, baseado no livro Vip´s. Eu falei dele neste outro post aqui.

Marcelo foi quem ele quis ser, para vivenciar uma realidade que ele queria conhecer. Mas isso não é exatamente uma novidade e é aqui que entra a famosa escritora Virginia Woolf.

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Virgínia, foi uma escritora, ensaísta e editora britânica, conhecida como uma das mais proeminentes figuras do modernismo.

 

Pouca gente sabe que Virgínia, além de uma séria escritora, foi membro de um grupo que realizou uma das maiores trolladas da História. Um ebuste tão épico que era digno de virar filme (talvez tenha virado e eu não sei).

Bunga-Bunga

Trata-se do episódio que se tornou conhecido como o Embuste de Dreadnought.  A ideia foi colocada em prática por Horace de Vere Cole em 1910. Cole enganou a Marinha Real Britânica para que ela autorizasse o acesso de uma suposta delegação de “nobres abissínios” a seu navio, o HMS Dreadnought. O embuste chamou atenção da Grã-Bretanha para o surgimento do Grupo de Bloomsbury.

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O Primeiro “absssínio” sentado à esquerda é Virgínia Woolf.

A farsa envolveu Cole e cinco amigos: a escritora Virginia Woolf, seu irmão Adrian Stephen, Guy Ridley, Anthony Butxton e o artista Duncan Grant—que disfarçaram-se com turbantes, barbas postiças e escurecedores de pele. A principal limitação do disfarce era não permitir aos “nobres” comerem, caso contrário a maquiagem seria arruinada. Adrian Stephen ficou com o papel de intérprete.

Em 7 de fevereiro de 1910, o embuste foi colocado em prática. Cole combinou com um cúmplice o envio de um telegrama para o HMS Dreadnought, que estava então ancorado em Portland, Dorset. A mensagem, com a assinatura falsa do Secretário de Assuntos Exteriores Sir Charles Hardinge, dizia que o navio devia ser preparado para a visita de um grupo de príncipes da Abissínia.

Cole e seu cortejo seguiram para a Estação de Paddington em Londres, onde ele apresentou-se como “Herbert Cholmondeley” do Departamento de Assuntos Externos da Grã-Bretanha, exigindo um trem especial para Weymouth. O chefe da estação concedeu-lhe então um vagão VIP. Mas antes fez todos da estação prestarem homenagens e estendeu um tapete vermelho aos príncipes.

Em Weymouth, a marinha recebeu a “realeza” com uma guarda de honra. Como não foram capazes de encontrar uma bandeira da Abissínia (hahahaha imagino o perrengue do infeliz), utilizaram uma de Zanzibar, procedendo com uma apresentação do hino daquela ilha.

O grupo então inspecionou a frota, demonstrando sua admiração num palavreado formado por termos em latim e grego. Em seguida eles solicitaram tapetes de oração e tentaram conceder honras militares fictícias a alguns dos oficiais. Foram embora quarenta minutos depois de embarcarem, não levantando qualquer suspeita.

Quando o embuste foi descoberto em Londres, Horace de Vere Cole contactou a imprensa e enviou uma fotografia da “realeza” ao Daily Mirror. As opiniões pacifistas do grupo foram consideradas motivo de embaraço, e a Marinha Real tornou-se alvo de zoeira. O comando da força militar naval exigiu mais tarde que Cole fosse preso, mas ele e seu grupo, contudo, não haviam violado qualquer lei, escapando portanto, impunes.

No trem de volta para Londres, uma nova zoeira: Cole avisou ao chefe da companhia que os príncipes abssínios apenas comeriam se fossem servidos por garçons com luvas de pele de cabrito na cor cinza. O vagão ficou horas parado em Reading, enquanto um funcionário da ferrovia passou maus momentos em busca de comprar as tais luvas na cidade.

Durante a visita ao Dreadnought, o grupo demonstrou assombro e apreço ao repetir diversas vezes a exclamação “Bunga! Bunga! Bunga!”. Quando Menelik II da Etiópia visitou a Inglaterra pouco tempo depois, foi perseguido nas ruas por crianças que gritavam a mesma expressão. Ironicamente, o imperador da Etiópia solicitara uma visita às instalações da marinha, mas o oficial em comando recusou-se a atender seu pedido, provavelmente em decorrência do tal episódio, e assim preferiu evitar futuros constrangimentos.

Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, o HMS Dreadnought abalroou e afundou um submarino alemão. Entre os telegramas de congratulações estava um cujo único conteúdo era “BUNGA BUNGA”.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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