A busca de Kuran – O diamante sangrento

Eu estava andando a pé no meio da planície. As pedras rolavam sob meus pés. Eu não sabia o que fazia andando descalço pelo deserto e quando dei por mim já estava longe. Não havia sinal do acampamento ou coisa parecida. Uma luz difusa iluminava o céu e não havia som do vento ou qualquer outro. Eu sentia medo e frio.

Olhei ao redor em busca de alguma pista que indicasse onde eu estava, mas tudo que vi eram as montanhas, bem perto de mim.

Um brilho fraco atraiu minha atenção. Eram diamantes. Milhões deles espalhados por todos os lados no chão.

Abeixei-me e peguei um. Seu brilho era espetacular.

Subitamente, vi o pé retorcido e carcomido na minha frente. Me levantei e dei de cara com ele novamente. Era o Guardião.

-Eu avisei para sair do meu deserto, verme!  – Ele rugiu com os olhos injetados de ódio.

Mas diferente da outra vez, eu estava bem mais calmo, bem mais seguro.

Levantei-me e olhei pra ele, bem nos olhos.

Eu não disse nada. Não tive coragem de perturbá-lo ou despertar a sua fúria. Mas mantive-me onde estava, olhando para ele.

O Guardião abriu sua mão magra e ossuda e eu vi que ele tinha um corte no dedo. Do corte, pingou uma gota de sangue que girou no ar até atingir o diamante no solo. O velho soltou uma gargalhada maníaca e estourou numa nuvem de fumaça preta que desapareceu diante dos meus olhos. O diamante no chão estava vermelho.

Eu me abaixei para pegar, mas então…

– Não! – Ouvi o eco distante de uma voz conhecida. Era Leonard.

-Leonard? Leonard? É você? Cadê você?

Mas não ouvi resposta. Eu continuei olhando para o diamante e não o toquei. Afastei-me lentamente e então tudo escureceu. Me senti caindo, caindo. Até que levantei num pulo. Eu estava no saco de dormir. A luz do sol entrava pela fresta da barraca.

“O sol está no céu!” – Pensei.

Ao sair da barraca, vi as pessoas levantando o acampamento. Aquela era a primeira vez que eu apagava de forma tão pesada em muitos dias. Saí da barraca e  vi que Suleiman vinha em minha direção. Dele, recebi uma caneca com chá fumegante.

-Gan bei! – Eu disse, erguendo a caneca.

-Wilson, yakshee dos! – Ele disse. E então saiu.

Allan estava ao lado, sentado na areia, amarrando o cadarço das botinas.

-O que ele disse?

-Disse que você é um bom amigo. -Respondeu Allan.

Entendi que aquela era a forma de Suleiman me pedir perdão por me abandonar com as aranhas. Tomei o chá bem quente sentindo na pele o vento frio que soprava das montanhas.

-Allan, onde está Petrus?

-Ele foi pra lá, no meio das árvores, enterrar o corpo do Broca. – Ele disse, prendendo o punhal na cintura.

Voltei para a barraca afim de arrumar minhas coisas. Ajudei os Uigures a desmontar o acampamento.  Minutos depois, Petrus apareceu, seguido de Ruopert Ellis.

-O que houve, Petrus? Por que não me chamou? – Indaguei.

Petrus disse que ficou com pena de me acordar, porque eu estava dormindo feito uma pedra. Escapar da morte pelo ataque das mortais aranhas do deserto havia sido o suficiente para derrubar um boi. -Além do mais – Ele disse – Você não iria gotsra de ver o que aquelas criaturas fizeram com o Robin. Não sobrou quase nada pra enterrar. Quando chegamos ele ainda estava coberto por elas. Tivemos que jogar querosene na carcaça e flambar as aranhas mais insistentes para poder enterrá-lo.

-Que Deus o tenha. – Eu disse.

-Então? Tudo pronto? Vamos nessa? É uma boa caminhada até as montanhas.

-E nós vamos todos? Achei que eu iria sozinho.

-Mudança de planos, meu chapa.

Horas depois, já estávamos a caminho das montanhas. A cada passo, elas pareciam ficar maiores.

-Wilson, estamos entrando numa área que não vê um ser humano a muitos milênios. – Disse Petrus.

-O que quer dizer com isso?

-Que não sei o que pode acontecer. O que eu sei é que há uma força perturbadora neste lugar.

-Eu sei. Eu também estou sentindo. – Respondi.

-Que ótimo. É bom saber que aos poucos você está se lembrando. -Ele disse.

Continuamos em silêncio por cerca de três horas. Eu voltei a caminhar paralelo ao grupo, conversando ora com um ora com outro.

Nuno Coelho estava deprimido, pois havia perdido o irmão. Tentei dar força a ele. Allan me ajudou.

-Você vai superar, Nuno. Cabeça erguida, seu irmão não ia querer te ver assim. – Eu disse a ele.

-Vamos demonstrar nosso respeito conduzindo esta missão até o fim. Era a missão de Ismael. Nós não vamos deixá-lo na mão. São as marcas dos guerreiros, Nuno. – Disse Allan.

Nuno assentiu com a cabeça, mas não quis dizer nada. Vi em seus olhos o brilho de uma tristeza profunda. Os dois irmãos eram muito ligados.

Subitamente, um dos cameleiros começou a gritar. Todos nós nos assustamos, pois gritos geralmente eram sinais de grandes problemas. Mas o cameleiro reuniu o pessoal ao redor dele, e nas mãos dele havia uma pedra transparente. Foi Ruppert Ellis que reconheceu:

-Um diamante!

O cientista Carlos Refacho se aproximou, examinou a pedra e concordou:

-Veja, estamos perto das montanhas, que é um afloramento vulcânico. Estamos vagando no leito de um rio seco, como podemos ver pelos cascalhos. Ao longo do degelo sucessivo, a montanha foi sendo escavada pela ação da água e esta área deve estar cheia de diamantes e outras cristalizações. -Ele disse.

Mais uma vez o meu sonho parecia conter alguma referência a certos lugares naqueles desertos. Mas eu não disse nada a ninguém, pois achei que não acreditariam. O Uigur comemorava como se tivesse ganhado na loteria. E de fato é bem por aí. Os Uigures eram um povo facilmente adaptável, que viviam na beira do deserto do Taklimakan desde o ano 545 D.C. Dois anos antes, o povo Uigur havia conseguido conquistar sua independência, formando a república do Turkestão Oriental, mas havia ainda grandes bolsões de conflitos com os países vizinhos, sobretudo a China. Devido ao local ser praticamente inóspito, a maioria dos Uigures era pobre. Mas isso não tirava deles a hospitalidade com os estrangeiros.

Agora o carregador Uigur dançava da forma tradicional, colocando as mãos acima da cabeça, dando voltas rápidas. O resto da caravana batia palmas e os camelos apenas olhavam com uma expressão de quem não entendia nada.   Eu me afastei um pouco para fotografar a celebração, já que aquele era um momento emblemático da expedição. Era a primeira vez em que finalmente surgia um tesouro. Aquele diamante, uma pedra um pouco menor que o punho de uma criança, fazia ter valido a pena todo o sacrifício de quase morrermos sem água no deserto, e de uma certa forma dava um certo sentido às mortes dos bravos companheiros que o deserto ceifou. Conforme era a lei, o tesouro é de quem o encontra.

A câmera travou e eu não consegui obter o retrato. Custei a descobrir o que havia acontecido com a câmera.  Enquanto eu tentava destravar o aparelho de Joseph, vi bem na minha frente uma coisa brilhando.

“Ah, não… Não pode ser.” – Pensei.

Era.

-Mais um diamante! – Eu gritei para os homens. Em menos de um minuto eu estava dançando feito um uigur bêbado, rodando com meu lindo e minúsculo  diamante, quase do tamanho da unha do meu polegar. Mesmo pequeno eu sabia que agora estava rico! Não tardou para que a festa dos donos dos diamantes se dissolvesse, espalhando homens para todas as direções, que vasculhavam as pedras do chão com cuidado na esperança de encontrarem os seus.

E não foi surpresa quando nós percebemos que a área estava repleta de diamantes, aflorando à superfície. A cada diamante descoberto, todos gritavam “Al Hamdulilah!” Eles agradeciam a Alá pelas descobertas. Aquele foi o momento mais feliz de toda nossa expedição. Eu queria que Leonard pudesse estar conosco para ver os uigures enchendo os bolsos de diamantes. Eles agora apareciam aos montes.

Estávamos espalhados por uma área de cem metros quadrados, vasculhando o chão do deserto na esperança de encontrarmos mais e mais diamantes, quando Nuno Coelho, que estava a cerca de 40 metros de onde eu estava, gritou:

-Achei um diamante vermelho!

Nuno abaixou-se e pegou a pedra. Ele ergueu a mesma para que todos pudessem ver e subitamente caiu duro.

Eu e Ruppert achamos  que ele estava brincando, mas Nuno não se levantou e nós corremos até ele. Estava caído, com os olhos virados para trás. Em poucos segundos todos os homens fizeram um círculo ao redor de Nuno. O diamante vermelho na mão dele. Richard que era médico do exército inglês diagnosticou: Infarte fulminante.

Todos pensamos que aquilo se devia a forte emoção. Era a primeira vez que todos nós víamos um diamante vermelho. E eu imediatamente me lembrei do sonho que tive. Não era possível que aquilo não estivesse ligado.

Os uigures se entreolharam com uma expressão estranhíssima. Começaram a falar entre si com os olhos arregalados e a apontar para o diamante nas mãos de Nuno.

O profeta começou a falar e todos fizeram silêncio. Allan Laforet traduziu para nós o que ele dizia.

-Este é o diamante sangrento. Ele guarda a alma de um mestre das trevas. Todos os que o tocarem morrerão. Este é o vale dos diamantes. Os uigures acreditam que os maiores guerreiros ao morrer recebem uma dádiva dos céus e sua alma se torna diamante. Esta é uma lenda que eles escutam quando crianças. O profeta diz que eles não podem profanar o descanso dos guerreiros. Todos devemos devolver os diamantes à Terra, ou o Deserto se vingará.

Eu mal podia acreditar no que estava vendo. Um a um os uigures pegavam as pedras dos bolsos e lançavam ao longe, pedindo perdão a Alá por perturbar o descanso de seus heróis ancestrais. As coisas ficaram mais complicadas quando os Uigures resolveram exigir que os ingleses também o fizessem. Aquilo chegou a um impasse em que se tornara um ponto de honra para os supersticiosos uigures. Os ingleses se recusaram e houve um princípio de tumulto. Allan fazia o possível para tentar traduzir para os dois lados. Eu estava alheio a discussão sobre jogar ou não as pedras preciosas fora. Eu estava empenhado em consertar a câmera. Após muito fuçar, descobri que havia areia obstruindo a passagem de uma mola. Enquanto eu consertava, escutava a discussão e tive pena do Allan. Porém, mais pena eu tive  de me separar da minha pequena pedra brilhante. A àquela altura a câmera já estava destravada e eu consegui fazer uma chapa. Um último registro, para caso eu fosse forçado a me separar daquela pedra.

diamantepedra2 | Contos | conto, Contos, magia

Quando me aproximei do grupo de Uigures, vi na expressão de Petrus que a coisa ia mal. Ele tentava conter a fúria de Ivan Ulvaeus, o homem que nunca ria. Ivan estava ficando cada vez mais nervoso. Ele já estava a ponto de baixar o sarrafo nos Uigures. Todos sabíamos que os homens da Legião estrangeira que faziam nossa segurança eram mercenários e seu único afeto na vida era ao dinheiro. Petrus tentava convencer o Profeta, Suleiman e os outros cameleiros que bastava que eles se desfizessem de seus diamantes, mas o velho Uigur estava determinado.

-Nenhum diamante poderá sair do deserto! – Disse Allan, traduzindo o que o Profeta dizia.

Ivan levantou um diamante e acintosamente colocou-o no bolso do casaco. O profeta tentou segurar o braço dele e impedir, mas Ivan perdeu a paciência e empurrou o profeta, que caiu sentado no chão. Os olhos arregalados de estupefação. Os homens tentaram segurar os outros uigures que sacavam seus punhais, dispostos a lavara  honra do idoso.

Ivan era mesmo um covarde. Como tinha coragem de bater num velho de quase oitenta anos? Tudo que Allan havia me dito sobre o esquimó era verdade.

Ivan estava armado e sacou uma pistola para manter os uigures afastados. Eu temi que fosse começar um tiroteio. Agora todos gritavam ao mesmo tempo, numa ensandecida confusão.

Ivan abaixou-se e pegou o diamante vermelho da mão do falecido Nuno.  Todos os uigures deram um salto para trás, com medo da pedra. Ivan começou a rir. Era a primeira vez que ria abertamente naquela expedição.

Subitamente ele fechou os olhos amendoados, largou a arma, abriu a boca e caiu para trás, com o diamante vermelho aos seus pés. Ivan desabou no chão como um pedaço de madeira. Todos nós nos assombramos com aquilo, e muito mais os Uigures que viam pela primeira vez os fenômenos sobrenaturais acontecendo diante de seus olhos.

Tão logo Ivan bateu morto no solo do deserto, todos os homens começaram a jogar seus diamantes fora desesperados. Mas aquela cena e o desrespeito com o líder dos cameleiros havia sido demais para os Uigures. Eles agora diziam que o solo era sagrado e que nenhum Uigur poderia se aproximar das montanhas. A morte dos dois homens que seguraram na pedra vermelha deixava claro que muito provavelmente os Uigures estavam cobertos de razão. Devíamos deixar o deserto imediatamente.

-Eu não vou. – Disse Petrus.

-Os Uigures estão com medo de morrer. – Disse Allan.

-Temos que nos reunir. Peça para que eles esperem um pouco. Venha cá Ruppert. Carlos, Richard, Wilson, Allan.

Nos afastamos do grupo de uigures e fizemos uma pequena reunião. Nela decidimos que iríamos nos dividir mais uma vez. Um grupo partiria, junto com os Uigures que agora se recusavam a seguir viagem conosco. Resolvemos enviar Allan e o médico Richard, para retornar até a cidade ais próxima. Eles entrariam em contato por radio com a base inglesa na Índia e enviariam resgate. Petrus pegou um punhado de diamantes e entregou disfarçadamente a Allan, que enfiou as pedras nos bolsos.

-Me dá tudo. – Ele disse.

-Não, temos que ficar com alguns para os uigures verem a gente jogar fora.

-Ah, tá.

-Vamos ficar com um dos camelos, para levar água. Veja, agora vocês estão livres. Quem quiser voltar, é esta a chance. Saibam no entanto que os que se arriscarem naquelas montanhas lá na frente poderão morrer.

-O que vamos fazer lá? Perguntou Ruppert.

-Vamos achar Leonard.

-Eu vou com eles. – Disse Ruppert Ellis. – Eles precisarão de um técnico de radio. Não se afastem das montanhas, pois elas são um ponto de referência importante. VAi ser mais facil resgatar vocês aqui do que no meio do deserto. – Ruppert se virou para Richard e propôs que ele seguisse conosco para as montanhas, pois Leonard poderia estar ferido.

Richard concordou e fizemos a troca. Allan e Ruppert se despediram de nós com um forte abraço.

-Fique vivo! – Disse Allan.

-Eu vou tentar! – Respondi.

-Tentar não. Não existe tentar. – Falou Ruppert Ellis, sorrindo

Eu fui me despedir dos Uigures. Havíamos passado por poucas e boas juntos naquele deserto e apesar de não conseguirmos nos comunicar oralmente, uma forte relação de amizade floresceu entre nós.

Os Uigures cumprimentaram a todos do modo tradicional, colocando a mão direita no peito e inclinando-se para a frente, em cumprimentos sucessivos.

Foi triste ver os camelos se distanciando com os ingleses.

-Agora estamos por nossa conta. – Disse Petrus.

-O que vamos fazer?

-A primeira coisa a fazer é enterrar Ivan e Nuno.  – Ele disse. Todos concordamos e pegando a picareta e a pá, cavamos uma vala rasa. Colocamos os corpos ali e cobrimos com areia e pedras. Ninguém teve coragem de tocar na pedra vermelha.

Após os enterrarmos, seguimos nosso caminho tortuoso na direção das montanhas. À medida em que avançávamos, ficava mais e mais frio.

-Estamos subindo, veja! – Disse Richard, apontando para trás.

Agora já era possível vislumbrar uma ampla área desértica que se distanciava até onde a visão conseguia enxergar. Vimos o vale das árvores e aranhas como uma pequena mancha distante. O solo era cada vez mais cheio de pedras. Após mais umas horas de caminhada, chegamos num local em que o deserto estava coberto de neve.

-Neve no deserto! – Eu exclamei estupefato.Peguei a câmera e registrei a neve, que eu via de perto pela primeira vez na vida.

neve | Contos | conto, Contos, magia

O dia já dava sinais de acabar quando alcançamos o platô. Era uma espécie de planalto, não muito extenso que lembrava mais um grande degrau, e ao fundo, estavam as montanhas. Preparei com cuidado aquela foto, virando a câmera de Jospeh para poder registrar a imponência dos paredões e maciços rochedos à nossa frente.


montanhas11 | Contos | conto, Contos, magia-Vai ser impossível de escalar isso aí. – Disse Petrus.

-Acho que o melhor é dar a volta na pedra, vamos tentar achar uma via de acesso, pois certamente o Leonard não veio por aqui.- Eu disse. Todos concordamos.

Eu e Petrus fomos pela direita e Richard e Carlos Refacho pela esquerda.

Enquanto andávamos eu perguntei a Petrus porque ele achava que Leonard tinha partido.

-Ele quis se conectar com Kuran.

-Mas ele saiu andando assim, pelo deserto?

-Isso mesmo.

-Mas isso é loucura, Petrus.

-Isso parece loucura para pessoas comuns. Mas acredite em mim, quando você quer se conectar com o outro lado, precisa se purificar. Leonard sabia disso. Lembra que Jesus foi para o deserto em busca de purificação?

-Eu nunca entendi muito bem esta coisa dele ir para o deserto.

-A tradição se perdeu com o tempo, mas desde muito tempo atrás, os sábios partiam para longas travessias pelo deserto, em busca de uma comunicação com o outro lado, com o lado espiritual. Não é fácil. Só se consegue isso quando você está a beira da morte. è onde as fronteiras que separam os dois mundos se tornam mais fracas e você finalmente adentra o outro lado. Jesus jejuou por 40 dias e 40 noites, e…

-Foi tentado pelo diabo.- Eu disse.

-Isso é o que diz a Bíblia. Os povos antigos tinham pouco conhecimento das tradições orientais. O que eles dizem? Após tentá-lo, sem sucesso, o demônio se rendeu. Jesus expulsou o demônio do deserto,  e então os Anjos os serviram. Agora eu pergunto: O que viemos fazer neste deserto? Também viemos expulsar um demônio. Você acharia uma herezia se eu dissesse que Jesus foi um dos magos incumbidos de expulsar as criaturas que passaram para este lado?

-Nossa… – Eu disse. Estava sem palavras.

-Isso nunca saberemos. Mas é uma grande coincidência.

-E por que esses demônios querem ficar no deserto?

-Porque aqui eles estão em paz.Em lugares ermos e sombrios como cavernas, templos e buracos, eles ficam em estado de torpor por milhares de anos, acumulando energia. Energia que é usada neste plano e no outro. Os demônios são extremamente poderosos. Eles não vagam por aí. Eles controlam legiões de espíritos densos, de natureza nefasta. É com eles que os demônios agem sobre a Terra. Este demônio que estamos caçando é muito poderoso. Leonard te contou?

-Não muito. – Eu disse.

-Pois bem, este aqui é um dos 72 demônios de baixo nível que foram capturados e enviados para o vaso de Salomão.

-Que Vaso?

-Quando o Rei Salomão, um dos primeiros grandes magos foi incumbido pelos gênios superiores do outro plano a aprisionar as criaturas que ainda vagavam pela Terra desde a criação, os anjos lhe orientaram e concederam o controle sobre certas forças naturais. Ele construiu um vaso de bronze e nele gravou os signos indicados pelos gênios e assim, o vaso se tornou uma porta de passagem única, deste plano para o outro.

Salomão viveu milhares de anos antes de Cristo e levou o desejo dos gênios superiores a uma grande caçada, cujo próprio Salomão empreendeu pelo mundo. Posteriormente à sua morte, a caçada continuou por milhares de anos com a tradição sendo transmitida através dos seus discípulos.  Ao longo dos séculos, o conhecimento e domínio das forças da natureza foi severamente ameaçado, e os magos foram também caçados por influência dos espíritos desgostosos. Surgiram as ordens místicas, e com elas o conhecimento esteve guardado por milhares de anos. A maioria centrou-se no domínio das forças naturais e no estudo dos planos astrais. Mas as mais antigas ordens místicas ainda mantém a caçada de Salomão em curso. É  o que estamos fazendo aqui. Os homens que pesquisam as escrituras sagradas acreditam que o reinado de Salomão foi marcado pela paz, mas nenhum rei deste mundo deflagrou uma guerra como a dele, contra o mal espiritual. No fundo, todo mago é um guerreiro em permanente combate, contra as forças do outro lado, contra as forças deste lado e contra si mesmo, pois nós somos impuros, e por isso estamos aqui.

-Mas e os demônios? – Questionei.

– Durante um ritual por volta do século dez, trinta e três demônios escaparam para este plano. Desde então, estamos caçando-os nos lugares mais impenetráveis, para onde eles rumaram tentando escapar da caçada. Segundo os livros sagrados, os demônios que fugiram agora estão mais perigosos que antes, pois eles sabem o que podemos fazer e sabem que estamos atrás deles.

-E qual é o que vamos buscar?

-O nome oral dele é Gaap. O nome oral é um nome que a gente usa e que…

-Eu sei, tipo Kuran, né?

-Isso. O Leonard te ensinou isso?

-Sim.

-Ótimo. Então como eu dizia, o tal Gaap é muito, muito antigo e poderoso. Antes mesmo de Salomão, ele reinou pelo mundo, trazendo e semeando a morte e a destruição. Gaap sentia-se o dono destas terras e exigia incontáveis sacrifícios humanos em sua honra. Gaap tem sob seu comando mais de sessenta e seis legiões de espíritos de níveis diversos, que usa para os mais variados fins. Gaap é tão poderoso quanto o Beleth, e ele controla a água, que é seu elemento afim. Talvez isso explique porque Gaap veio se ocultar num lugar desértico. Ele sabe que ficando longe da água é mais difícil detectar seu sinal etéreo.

Segundo os grimórios, foi Gaap  que colocou a disputa no mundo. Primeiramente não existia disputas ou rivalidade, até que Gaap introduziu a batalha na terra por puro capricho. De acordo com os grimórios, Gaap é responsável por toda forma de duelo, rixa e sofrimento, trazendo muitas infelicidades para toda a Terra. Ele é descrito em forma humana, mas nunca ninguém o viu em sua forma real. – Disse.

Petrus me falava sobre as formas dos demônios quando vimos que Carlos e Richard vinham correndo em nossa direção.

-Eles acharam alguma coisa. – Disse Petrus, olhando os homens correndo em nossa direção.

-Será que é Leonard? -Perguntei.

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Cara, acompanho teu blog há alguns anos, nunca me manifestei.

    É impressionante a tua evolução na escrita.

    Já pensou em escrever um livro? ( não como o de contos do mundo gump )

    Sinceramente acho que estais “perdendo” teu tempo, se lançares um livro, com essa linguagem simples e que prende o leitor, é sucesso na certa.

    Com a tua empresa e tudo o mais, deve ser complicado arrumar tempo pra isso, mas não tenho a menor dúvida que virarias um grande e famoso autor.

  2. Esse conto é digno de Marcus Rey.
    Prende o leitor tanto quanto “A Ilha Perdida”, “Pequenos Jangadeiros”, “Barquinhos de Papel” entre outros.
    EEEEE Saudade!!
    Tempo bom que não volta mais.
    Manda ver Philipe.

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