Filosofando delirantemente: Tudo está ligado

Eu estou chegando em casa. Ao passar pelo porteiro, ele se vira pra mim e diz uma coisa estranha:

– Tudo está ligado.

Eu estranho a frase, mas sabendo que meu porteiro é um completo maluco, pego o elevador. Enquanto observo as paredes brancas surgirem e sumirem pela janelinha, eu apenas penso sobre aquela estranha e lacônica frase. De certa forma, meu porteiro é um gênio. Lembro-me que os deuses do olimpo escolhiam crianças e velhos dementes para comunicarem-se com os humanos, sempre cegos pela sua própria natureza.

Chego no meu apartamento. Vou direto correndo pro escritório escrever no blog e ver os emails.
Ao abrir a caixa de emails, surpresa. Uma coisa inacreditável. Só há um único email. É todo escrito em inglês. No cabeçalho, eu vejo o remetente toqn@gmail.com
Começo a ler o email.

Caro senhor Philipe,
Fiquei muito feliz ao descobrir acidentalmente seu blog. Vi que você fez um boneco meu. Isso é muito legal. Eu gostaria de ganhar uma cópia. Seria possível? Falei com meus colegas e gostaríamos que você também os fizesse. Para que possamos conversar sobre isso pessoalmente, estamos enviando duas passagens Brasil – Huston- Havaí.
Parabéns pelo seu trabalho e dedicação.
Nos vemos aqui na semana que vem.
Um abraço,
Terry.

Eu fico sem ar. Tudo roda ao meu redor. Eu não posso acreditar. Julgo ser o meu inglês macarrônico o único responsável por tamanha confusão. Recorto e colo no tradutor do Google. Sai tudo meio tosco, mas o conteúdo é o mesmo.
Terry O ´Quinn em pessoa enviou um email pra mim! Melhor, enviou duas passagens!

Êêêêêêêê! Vou viajar na faixa e ainda conhecer a galera do LOST!

E num flash, ali estou eu. Sentado no meio de uma poltrona do meio da aeronave. Continental Airlines prestes a decolar.
A Nivea chega do banheiro. Bem a tempo de ver a aeromoça fazendo aqueles ridículos sinais no fim do corredor.
A poltrona é apertada, mas a viagem é grátis. “Cavalo dado, não se olha os dentes.”

Em outro flash ali estou eu, pegando minhas malas e colocando no carrinho do aeroporto. A Nivea está animada. Quer ver logo as praias. E eu só penso em uma coisa. Em conhecer os caras do meu seriado favorito. Penso na frase do porteiro. Tudo parece começar a fazer um estranho sentido.

Saio no saguão. Com uma plaquinha na mão onde pode-se ler “Phelipe” está o próprio Terry.
Eu me apresento. Ele aperta a minha mão forte. É um cara alto. Mais velho do que aparenta ser no video. E bem mais simpático também.
Ele me abraça. Abraça a Nivea. Sinto como se ele fosse um velho tio meu que não vejo há anos. É um coroa legal. Ele me ajuda com as malas. Vamos no carro dele.
Eu vou me sentindo cada vez mais importante. Cada vez menos inisgnificante e só aquelas palavras misteriosas do porteiro ecoam em minha mente quando chegamos no saguão do MEGA-FODA hotel 99 estrelas. O melhor da ilha. Com belos bangalôs de frente para o mar.
Terry fala num português meio macarrônico espanholado que teremos uma reinião com JJ Abrams para tratar de “negócios” durante o jantar.
O jantar é as nove.

Eu vou para o quarto. Um belo quartão de frente para o mar. A primeira dama não acredita. Parece até uma criança na Disney. Ela quer botar logo o biquíni e cair na água fria do pacífico.
Nós vamos para a praia.

Mais um salto no tempo ocorre e agora estou entrando no restaurante. É um tipo de Outback com visual Hawaii. Pessoas com camisas floridas bebem coquetéis de guardachuvinhas de papel em abacaxis. Flores por todos os lados. Muitas fotos de surfistas nas paredes, e algumas pranchas antigas penduradas no teto. Eu fico deslumbrado com o lugar.
O garçom nos leva até a mesa. Mesa 23.
E eu penso na frase do porteiro.

Em seguida surge um cara. É um sujeito de óculos. Cara de nerd modernoso. Ele olha pelo alto dos óculos, como se tivesse procurando alguém. Ele olha pra mim.
Ficamos dois segundos nos olhando e ele pronuncia ” Philipe?” Eu vejo meu nome em seus lábios e aceno com a mão em sinal de positivo.
Ele vem na minha direção. Se apresenta. É o JJ. Em pessoa.
Eu mal posso acreditar no que vejo. Ao fundo surgem Evangeline Lilly, a Kate. E também o Naveen Andrews, o Sayid acompanhados do Terry.
Eles sentam-se à mesa conosco.
Batemos papo. Eu não sei como, mas agora falamos inglês. Um inglês fluente e tão americano quanto Coca-Cola com Big Mac.
Eles estão animados com a possibilidade de terem bonecos próprios.
J.J. Explica que acabaram de romper o contrato com a Mcfarlane Toys e que agora eles querem que ninguém menos que EU, o mais insignificante dos blogueiros sulamericanos, faça os bonecos da franquia com total exclusividade. Eu me lembro bem quando JJ mastiga um pedaço de carne e toma um gole de cerveja e diz: Chega de brinquedos. Queremos peças artísticas. Arte!
Eu tento conter a expressão de orgasmo múltiplo enfiando um pedaço suculento de bife na boca. A Nivea aperta a minha mão com força sob a mesa. Tudo parece girar.
JJ diz mais uma coisa:

– Ei… Você é brasileiro, não é?
– Sou.
– Fale alguma coisa em português aí.- Pede ele. Eu falo alguma coisa. Se me lembro bem, recito um pedaço de uma quadra de Camões.
Todos se entreolham. Evangeline sorri. Paira um súbito silêncio na mesa. Eu começo a ficar tenso. Terry quebra o silêncio.

-Philipe, você já atuou na vida?
– Hã? j… já, já. Por quê?

J.J. Interrompe:
– Porque queremos um brasileiro no avião da Oceanic. Ele só vai aparecer mesmo na quinta temporada. Até lá são pequenas participações. Poucas falas. Mas na quinta temporada, meu amigo… Só vai dar você!

Eu tento conter meu grito de “putaquiparííííu!” e me limito a sorrir e acenar com a cabeça positivamente.

Mais um flash e agora estou no meio da praia. É hora das filmagens. Eu estou vestindo umas roupas esfarrapadas e os holofotes iluminam uma pequena discussão ao fundo. Minha função é trabalhar no fundo. É minha primeira participação em Lost. Nesta cena estou fazendo a comida. Uma coisa totalmente figurante, mexendo um pedaço de leitão sobre uma fogueira. Mas a câmera vai me pegar na cena por um segundo e meio.

Eu estou compenetrado. Tento fazer minha atuação bem natural.

Alguém atrás de mim grita:
– Corta. Valeu.

Eu me levanto. Em minha direção vem alguém vestindo um casaco escuro com capuz. . Está meio escuro. Eu não vejo direito.
Quando ele chega perto, é o porteiro do meu prédio. Ele sorri seu sorriso amarelo com poucos dentes e diz:

– Tudo está ligado.

E então eu abro os olhos. Estou olhando para um ventilador de teto. Minhas costas doem. Eu acordo no sofá da sala. Olho no relógio. É hora de ir trabalhar.

Talvez tudo esteja mesmo ligado.

FIM

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. ótimo.
    sem mais.

    aliás, meu professor de faculdade citou aquele louco que escreveu alice no país das maravilhas.

    lembrei na hora do seu texto.
    Abraço!

  2. deoidera..

    de alguma forma ta tudo ligado mesmo…

    hj eu acordei, fui tomar café, minha mãe veio me contar o sonho dela….

    vim pro computador.. abro seu blog… vc tá contando o seu.. so falta agora no trabalho alguem vir contar tmb..

    abs

  3. Legal o e-mail do Locke ser do Gmail! E comecei a assistir Lost por causa dos Posts do Boneco!(Eu só tinha assistido o primeiro episódio e não tinha gostado, resolvi assistir os outros por causa dos posts) Muito Boa a Série, tô completamente viciado!

  4. Por 1 minuto eu QUASE cheguei a cair nessa histórinha…*rs.
    Mas é claro q eu ia pedir PROVAS CONCRETAS dessa sua “Lisergica-Aventura”, c MILHARES de FOTOS d todo o ELENCO !!! :¬p
    Afinal, tb sou LOST-MANÍACA…
    Bjs

  5. viagem!
    Acho teu blog bacana, gosto de muitos posts aqui, apesar de achar o layout feio. Mas achei muito tosco essa tua viagem , mas como a minha opinião não vai mudar a tua vida vida…
    Boa sorte nas viagens!

  6. [quote comment=””]Mas tu escreves bem demais mesmo! Como dizia um professor meu: “Porra, chega a dar uma certa raiva de tão bem feito que fica!”[/quote]

    Que nada cara. Bem que eu queria que fosse assim.

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