Por que o segundo filme costuma ser melhor?

Este é um dos grandes mistérios do universo cinematográfico. Muitos aí poderão discordar, mas estou certo que alguns de vocês irão concordar comigo que tirando uma ou outra DESGRAÇA*, o segundo filme de uma trilogia tende a ser muito bom.

Eu não sei como explicar isso. Talvez seja sorte, talvez não. É  possível que haja alguma explicação? Quem sabe? Bem, vou usar a fabulosa técnica da resposta-blefe para tentar tratar disso. (A quem interessar possa, resposta-blefe é quando você fala com indisfarçável autoridade algo do qual nem de longe faz ideia do que se trata, mas ainda assim arrota seu pretenso saber de modo a iludir seus interlocutores ignorantes sobre algo que eles mesmos não sabem ou não se garantem de saber como você. Esta técnica é famosa e ainda hoje secreta, embora existam grandes mestres dela, como o Paulo Coelho, o Maluf, etc. Eu aprendi ela no Tibet com o mesmo monge que treinou Paulo Coelho nas magias da RAM. Hoje ela também é conhecida como “método Kling de ser aprovado em Psicometria na Faculdade”)

Pergunta: Por que o filme dois é melhor que o um e o três numa trilogia?

R: A resposta para esta questão precisa ser clarificada sob um prisma macrocósmico em termos de história. Embora a trilogia seja composta de três filmes (ou mais dependendo da saga) ela trata de uma história única que não raro tem como elementos constituintes os mesmos personagens, o mesmo universo ficcional ou a mesma situação.   Deste ponto de vista, podemos simplificar o discurso mostrando que mesmo sendo uma obra dividida em partes, no fundo aquilo é uma obra só.

A partir desta concepção, podemos recorrer ao clássico da comédia grega, que ainda nos primórdios das criações literárias, convencionou dividir uma obra em três atos.  Introdução, desenvolvimento e conclusão.  Desde então, logo, desde sempre, o teatro carregou consigo a divisão em três atos e quando o teatro sofreu uma mutação dando origem aos programs de rádio, aos filmes e programas televisivos, a estrutura em três atos se manteve. E se manteve desde sempre por três razões simples:

1-Funciona.

2-É efetiva.

3- Não tem nada melhor.

Com o passar dos anos, o cinema dedicou-se a obras cada vez mais complexas. Vide a percepção de Christopher Vogler sobre a natureza das estruturas poéticas míticas aplicadas ao universo cinematográfico de outrora e de hoje.

Não tardou a estabelecerem a necessidade de transpor histórias grandes demais (ou caras demais) para um único filme. A solução encontrada que melhor equacionou a questão do custo-benefício foi estender as obras um pouco e criar as chamadas trilogias. Lançando as mesmas em filmes individuais, com elos de continuidade entre eles, prendendo e mantendo uma renda semi-garantida ao longo de um período maior. Outra grande vantagem que as trilogias mostraram ao mundo é que elas produziam um efeito “retrofinanceiro” em obras que já haviam saído de cartaz. Um exemplo desse efeito “retrofinanceiro” pode ser compreendido facilmente. As pessoas tendem a assistir novamente a parte um de uma trilogia quando a parte dois está para ser lançada. E tendem a assistir as partes dois e um quando a três está para sair. Estabelece-se a necessidade de compreensão da obra como um todo. Como a mente humana salvo casos raros não é capaz de memorizar todo um conjunto de cenas de dois filmes vistos com intervalos de até dois anos entre eles, torna-se imperativo ao espectador assisti-los novamente, de modo a “requentar” as lembranças e se preparar para as novidades que darão continuidade à saga.

Além deste fato, o lançamento em três partes garante aos estúdios uma espécie de estudo de mercado preliminar da obra. Assim sendo, se o primeiro filme mostra-se sucesso de publico e crítica, o estúdio solta dinheiro com mais vontade para o dois. Se o dois suplanta o retorno do um, este aumenta ainda mais as verbas para o terceiro filme, e se isso também funciona, os estúdios podem começar a pensar em um esquema de franquia que transcende as três partes, como Rocky, Sexta feira 13, etc.

Quando o filme um não funciona ou não tem publico, é difícil que o estúdio resolva investir na ideia de uma franquia. A menos, é claro que inovações tecnológicas ou revoluções extrínsecas ao filme precipitem esta nova necessidade. Seja um contrato com uma corporação detentora da franquia, seja o desenvolvimento tecnológico que possibilita fazer filmes que outrora eram feitos sem recursos e por isso pareciam ridículos. (Hulk, por exemplo).

Há ainda um outro fator que pode contribuir sobremaneira para a ideia de que não raro o segundo filme de uma trilogia seja superior aos demais. Ocorre que ao dividir uma obra ampla em três partes pressupõe que o primeiro seja a introdução. O segundo o desenvolvimento e o terceiro, a conclusão ou ainda, um elo para infinitas combinações.

Sendo o primeiro filme o introdutório, o roteirista se vê obrigado a estabelecer o conceito daquele universo. Ele precisa explicar os motivos, precisa ilustrar o ambiente e criar a grande questão. A grande questão é a finalidade básica de toda a saga e não pode ser pequena nem ter resolução simples na parte 1 (primeiro filme). Portanto, existem coisas demais para se lidar no primeiro filme. Alguns roteiros funcionam bem situando o personagem e estabelecendo seu drama. Sua situação. E encaixando bem a necessidade da continuidade.  Mas funcionariam bem da mesma maneira para um filme único. Este é o caso de Highlander e Rocky -Um lutador.

Quando surge o filme 2, estamos tratando da melhor parte numa obra de três atos. Isso porque desde sempre, desde os gregos e sua tragédia, estamos acostumados ao fato que o desenvolvimento é a parte maior. É a parte cheia de reviravoltas, é a parte onde tudo acontece. Quase sempre, durante o desenvolvimento, o herói sofre baixas e o mal parece ganhar espaço. Isso é uma condicional importante para efetivar o sucesso quando se dá a finalização da sequência.

Isso explica por que alguns filmes são aclamados por serem mais sinistros justamente na parte 2. Vide: Star Wars -O Império Contra-ataca e Aliens.

Quando vem a parte três, ou seja, o terceiro filme da trilogia, ele está implicado em uma nova necessidade. Se o primeiro estava preso a criar o ambiente e propor o drama, o terceiro filme tem que resolver tudo, ou pior, resolver as coisas de modo acessível e compreensível, estabelecendo um gancho (elo) para continuações futuras da franquia.

Não é mole obter isso e muitos filmes falham neste aspecto. Uma potencial razão para isso é que os tempos necessários para a introdução, desenvolvimento e conclusão são diferentes. Geralmente, a introdução ocupa uma boa parte da estrutura (páginas de um roteiro) mas é suplantada pelo desenvolvimento (cheio de reviravoltas e confusões) que é a parte maior, logo, com mais conteúdo (e por isso, quase sempre com mais qualidade). Já a conclusão precisa ser rápida e contundente, sob o risco de deixar passar o clímax e perder a energia. Sobre este tópico eu evoco as noções estruturais da divisão narrativa de Sid Field para amparar meus pontos de vista.

Dentro desta ótica, um filme, é de certo modo como uma luta ou uma dança. Os melhores passos são deixados para o “gran finale“. E se ele se arrastar, o sabor da coisa se perde, minando a energia e o impacto da obra.

As necessidades de tempo de um filme, sobretudo um longa metragem acabam produzindo roteiros que são obrigados ao com o perdão do termo excessivamente popularesco para uma explanação erudita, mas que exprime bem o sentido do vernáculo,  “encher lingüiça”,  para simplesmente existirem. Com isso, o clímax de uma trilogia se perde, se esvai e o espectador sai com a visível sensação de que o diretor deu mole.

Existem também os filmes em que não havia nenhuma pretensão de criar uma trilogia, mas dado o sucesso do filme original, o estúdio percebe ali uma oportunidade de escavar uma trilogia. Logo, de movimentar alguns milhões de dólares.  Verdadeiras ordas de roteiristas são chamados para elaborar, muitas vezes às pressas continuações rocambolescas do primeiro filme. E há aí um porém. Estima-se que um segundo filme não possa jamais ficar equiparado ao primeiro, por conta do simples fato de que o primeiro é novidade. nele, tudo é novo, não há ainda elemento de comparação. Já o segundo,  será inevitavelmente comparado e justaposto ao primeiro. Daí a necessidade dele, que mais que se encaixar formando uma história extrínseca a ele próprio precisa suplantar o primeiro em história, surpresas, drama e ação.  Não raro, grupos de autores falham protuberantemente tentando fazer uma obra que seja melhor que a primeira. Isso pode ser explicado por estes fatores somado ao tom sempre pretensioso que um segundo filme carrega. A coisa muda de figura quando o segundo filme é parte de algo maior, como uma obra literária de múltiplos volumes. Como é o caso de LOTR e Harry Potter.  Pois desde sua gênese está desenvolvido o eixo central norteador de toda a narrativa de múltiplos volumes. Assim, quando o filme não é uma colcha de retalhos planejada com únicos objetivos comerciais, ele tende a funcionar melhor.

Deste modo, faço aqui as últimas linhas desta breve explanação que não tem nenhum apego com fantasias ou devaneios literários, baseando-se unicamente em minha opinião acerca dos fatos acima tratados. Torna-se imperativo salientar que toda explanação se dá ante a provocação dos questionamentos iniciais e não entra no mérito de sua validade lógica. Dessa feita, firmo aqui minha singela opinião acerta do questionamento e torno a salientar que não encontrando nela validade, o autor poderá recorrer a outras fontes do conhecimento, como o oráculo de Delphos ou ainda análise da composição geométrica das tripas de um galináceo.

Sem mais, agradeço a oportunidade de explanar meu conhecimento sobre os meandros da indústria cinematográfica mundial com ênfase no sentido multifílmico de natureza norte-americana, que ainda e sempre sob uma perspectiva de distribuição global acaba por se refletir em outras obras de diferentes países.

Obrigado.

Este foi meu método Kling* de responder ao questionamento. E aí? Você acha que eu posso ser Senador?

A coisa do questionamento (obviamente errado) surgiu quando me deparei com dois gráficos desse cara. Muito interessante.

Certamente quase ninguém vai aguentar ler aquilo lá em cima. Mas devo reconhecer realmente isso aí na faculdade me ajudou muito.

* metodo kling não é “embromation”. O “embromation” , ou a técnica de nome popular “encheção de linguiça” onde você, na falta de argumentos, apela para confundir seu interlocutor acerca de um assunto que não domina. No método Kling você precisa ter pelo menos alguma ideia, mesmo que boçal de algo para falar e consiste em apenas arrotar o pretenso saber de modo erudito, quiçá pedante, para que ele pareça ser mais correto do que na verdade é. A pedância não é obrigatória, consistindo de um item opcional, tal qual as citações, mas é uma excelente técnica de defesa do Self.  E tenho dito.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Olha, pelos dados que você colocou do danmeth.com há mais primeiros filmes melhores que segundos. Sua premissa, portanto, está errada desde o começo. hehehehe

  2. Philipe, nao sei se vc reparou…o 1º ranking o cara fez a sério (o azul), foi amplamente divulgado, é coisa séria (claro, é opiniao pessoal, mas ele fez a sério)

    Só que o 2º ele fez zuando, coisa de 1º de abril, ta na imagem até!

  3. A parte 2 foi publicada no dia primeiro de abril. Não passa de pegadinha. Acredito que nem todos (ou todos, minha memória anda meio fraca ultimamente e estou sem saco de googlar) os filmes citados sejam dividos em 3 partes. Abraços,

  4. Poderoso chefão I é pior que Indiana Jones I? Esse cara só pode estar de brincadeira!!!!!
    E ta certo que o Poderoso Chefão III não é lá grande coisa comparado com os dois primeiros mais dar uma graduação tão baixa é sacanagem!!!

    Parabéns pelo post, muito bom. Conheço várias pessoas que usam o mesmo método ehehhehehehe

  5. Gostei do texto, Usei essa mesma tecnica numa prova de Leis Ambientais na ultima sexta feira.

    OBS- Professor, se ler isso, não acredite .

  6. Tem razão. Na maioria das vezes o filme 2 costuma ser melhor que o filme 1 porque o filme 1 que era razoável deu bilheteria, a produtora, o diretor e os atores já estão ricos e podem fazer o filme 2 com mais qualidade, contratar roteirista melhor, outra firma de efeitos especiais, usar outro figurino que não foi comprado no Wall Mart nem que acabou de sair da lavanderia do china, etc…
    A maioria das continuações são legais, menos aquele filme Mutação, aquele das baratas megalomaníacas – muito ruim, só tem uma definição: bleeearrrghhh!

  7. Tipo, não li o post inteiro… mas acho que o primeiro costuma ser bom, aí cria muita expectativa pro segundo, entende? Aí no terceiro já não é mais novidade… Acho que é isso que acontece!

  8. Exelente colocação! Matou à pau a intelectualização da linguagem erudita e pedante.
    Faltou falar do intervalo entre os apisódios. Exemplo: RAMBO: no 3 o stalone já tá de barba branca. Indiana jones tambem. Não seria mais coerente lançar os episódios mais perto, uma vez que assim estariam mais frescos na mente do público e a espectativa também estaria em “alta”?
    Abraço!

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