O Crânio – Parte 5

Percebendo que ia dar merda, Gui se afastou.
Bruno precisou usar toda sua força de vontade para não enfiar um murro na cara daquele palhaço. Contrariando seus instintos, estendeu a mão. O tal Nelson tinha a mão fria, mole e pequena. Nelson apertou a mão dele sem nenhum vigor. Parecia até que segurava uma enguia. Era visível o desprezo mútuo naquele aperto de mão. Bruno por sua vez apertou firme a mão do pequeno homem e o olhou nos olhos.

-Então esse é o “famoso” Bruno, né? – Disse Nelson, desviando o olhar fuzilante de Bruno na direção de Bia.
-Famoso? Fiquei famoso e não me contaram? – Disse Bruno, tentando manter as aparências. Agora ele também olhava de um modo inquisidor para Bia.
-Você escreve bem, Bruno. – O tom sarcástico do estudante de Engenharia irritou Bruno.
-Que? Do que você tá falando?
-Nelson, para. – Bia gemeu entre dentes, mas não teve como disfarçar. Bruno havia notado. Seu ódio subitamente se multiplicou por mil.

Ele agora sentia seu coração sendo esquartejado ao testemunhar aquela figura patética repetir, sílaba por sílaba, o primeiro verso de uma das cartas de amor que Bruno escrevera para Bia, tentando reatar.

-Lindo né? – Disse ele num sorriso amarelo após fazer Bruno se sentir ridículo.
Bia olhou para Nelson com raiva e vergonha.
Bruno olhou pra ela. Seu coração sangrava. Ele não esperava aquele nível de traição.
-Bruno, desculpa… – Ela tentou balbuciar. Mas era tarde, Bruno estava olhando direto na fuça de Nelson, que ainda sorria de modo cretino.
-Calma, ainda não cheguei na melhor parte. A melhor é aquela, como é? Ah sim! “As lágrimas do meu coração…”
-Caralho… Eu… Vou… Te matar… De… Porrada! – Bruno rosnou.

Não houve tempo de fazer nada. Um sujeito enorme agarrou Bruno por trás bem na hora.
-Que isso? Me solta!
-Calminha aí garoto! Estão te chamando ali fora. Vem comigo… – Disse o segurança. O cara era um gigante musculoso que chegava a impressionar. Devia ser estivador ou fisiculturista. Era um homem mais velho, aparentemente careca, com um bigodão a la Hulk Hogan, camisa preta escrito atrás “Apoio” e usava uma bandana preta da banda Raimundos.

-Porra calma, me solta. Ei!
-Calminha, calminha, seu Gari.
Todo mundo da festa estava olhando pra ele. O fortão subiu com ele pelas escadas do canto do jardim e o levou até a sala, onde o grupo de Jazz estava preparando os esquipamentos.
-Opa, essa área aqui ainda tá fechada, campeão! Disse um outro segurança.
-Foi o imperador que mandou buscar o garoto.
-Ah, então pode passar.

Gui foi junto, no vácuo do segurança. Entraram pela varanda e nos fundos da sala, perto do bar, estava Cabeça, Suzana e dois outros caras desconhecidos, que deviam ser amigos do Cabeça.
-Porra que merda, meu! – Gemeu Cabeça, logo que pôs os olhos no Bruno.
-Chegou a sair porrada? – Perguntou Suzana.
-Não… Mas ia sair. Ô se ia! – Bruno ainda estava ofegante.
-Fica na boa, viu Gari? Abração, aproveitem a festa. – Disse o segurança saindo.
-Valeu Paulão. – Cabeça agradeceu com um aceno.
-Maluco, se o Gui não avisa o segurança tu tava fodido. Esses caras aí não iam deixar barato. Briga em festa minha é expulsão no ato.
-Porra cara, que humilhação, puta que o pariu. – Disse Bruno pegando o copo de uísque com gelo que Cabeça estendeu a ele.
-Esfria a mufa. Esfria que esse babaca não merece que você fique puto, Brunão. Senta aí, vai.

Bruno sentou numa cadeira alta do bar.

-Se não fosse pela Bia esse escroto não estaria aqui. Você sabe. – Cabeça se apressou em dizer.
-Tudo bem cabeça. Foi melhor assim mesmo. Ia ser um vexame.
Gui socou o balcão:-Com certeza. Imagina se o baixinho te mete a porrada? Com que cara você ia ficar de levar surra de um… Porra o que era aquilo? Um Smurf?
-Também não entendi a fantasia dele, mas a Bia ta linda, né? Embora eu prefira aquele cabelão preto liso dela. – Disse Suzana.
-Ah, Su. A Bia fica linda até careca, né?
-Gente, cês não estão ajudando o Bruno, porra. – Cabeça interrompeu. – Eu tenho que ir la em baixo ver como estão as coisas. Su, segura as pontas aí com o Bruno pra mim?
-Deixa com a gente, Cabeça. Vai lá.
-Daqui a pouco eu volto. Em dez minutos começa o Jazz. Vamos lá gente?

Cabeça desceu com os dois amigos.

Bruno secou as lagrimas no canto do olho.
-Vai chorar, né bicha? Chooora Xonado!
-Não fode, Gui. – Disse ele virando o uísque. – Porra esse é do bom mesmo, hein?
-E aí? Vamos zoar? Vamos zoar ou não vamos zoar essa porra, meufí? – Gritou Gui de braços abertos. Todos os integrantes da banda de Jazz olharam pra ele. -Ops, foi mal aí.
-Vai lá. Me deixa aqui. – Ele disse.
-Ah, não. Não vamos sair daqui, né Su?
-É. Não vamos, Gui.
-Que foi, meu? Que cara de cu é essa?
-Ela deu uma das cartas que eu escrevi pra ela pro escroto ler. Ele leu e decorou. Depois ficou me ridicularizando.
-Sério? A Bia? Não é possível. – Suzana estava estarrecida.
-Porra que vacilo, meu.
-Pois é. Ele ficou recitando, rindo de mim.
-Caralho, que escroto. Se eu soubesse… Era melhor ter deixado a porrada comer. – Disse Gui. – Bota mais uma dose aí, dona Su!

Bruno foi gradualmente se animando e esquecendo a situação. Suzana era eficiente em distrair o amigo, e é verdade, o uísque doze anos estava dando sua contribuição.
Lá pelas tantas, no meio do show de Jazz, Bruno foi até o banheiro. Fechou-se no pequeno cubículo do lavabo e tirou do bolso a carteira. Nela, uma foto de Bia. Uma das últimas dela antes da separação, feita na janela do hotel fazenda. Ela usava o vestido branco que ele tinha dado pra ela, e o cabelo preso uma trança.
Bruno pensou que aquela mulher, que ele amava tanto estava em algum lugar daquela mesma festa, agarrada em outro homem, um boçal ridículo. Não era justo… Os pensamentos de BRuno foram interrompidos quando alguém bateu na porta do banheiro. Bruno guardou a foto com cuidado e saiu.

Sentou-se perto do Lounge. Não viu Gui. Aliás, Bruno não via Gui já tinha algumas horas. O grupo de Jazz tocava bem. Tinha um sujeito magro de óculos que estava arrebentando no saxofone. Logo, uma moça bem bonita sentou-se ao lado dele e acendeu um cigarro.
-Oi.
-Oi. – Respondeu Bruno, incrédulo.
-… – A moça não disse nada, ficou apenas olhando para ele e sorrindo. Ela era linda mesmo. A situação ficou estranha e Bruno achou melhor tentar emendar um papo.
-Maneira sua fantasia. Elfa né?
-Você é o primeiro que não pergunta se eu estou de Iemanjá. – Ela riu abrindo espaço entre os longos fios do cabelão, que se embolavam no pescoço dela.
-É que eu vi as… orelhas.
-Ah sim.
-Então, você tá sozinho na festa? – Ela perguntou.
-Eu… Eu… Eu tô. Acho que sim. tava com uns amigos aí, mas sabe como é, sumiu todo mundo.
-Devem estar lá em baixo. O Dj ta bombando na pista. – Ela falou entre uma tragada e outra no cigarro. Sacudiu o copo, estalando o gelo e bebeu o restinho de vodka. – Tive que subir, porque tava muito quente. Essa porra esquenta pra caralho. – Disse, apontando a roupa, um vestido longo e esvoaçante azul, cheio de tule.
-Tô ligado.
-Você não parece muito feliz… – Disse a Elfa Iemanjá.
-Bruno.
-Prazer, Camila. – Ela disse, dando três beijinhos nele. Bruno sentiu o perfume dela. Era um perfume doce, meio enjoado, mas não era ruim.
-Não tô triste não. Tô só curtindo esse som. Toca muito o magrelo ali.
-É eu primo.
-Não. Sério?
-Sério.
-O cara é foda no sax.
-Sim, o Fag estudou jazz lá em Nova York. Já tocou com o Woody Allen e tudo.
-O cara chama Fag?
-Não. O nome dele é Fagner, mas como ele é sabe… – Ela desmunhecou a mão no ar.
-Gay.
-Sim, gay. Aí a galera chama de Fag. Fag é sinônimo de gay.
-Mas ele chama Fagner mesmo? Tipo o cantor?
-Pois é. Minha tia. Tem que ver a figura. É do Fã clube… Daí já viu. – Camila riu.

O papo estava começando a engrenar quando surgiu Gui.
-Porra maluco, tava te procurando na festa toda, véio!
-Hã? Ué. Eu tava aqui o tempo todo, Gui. Gui, essa é a Camila, Camila esse é o Gui, meu amigo de infância.
-Nossa que… Acessório! – Ela disse, apontando o consolo rosa no pescoço dele.
-Chê Quévara. – Ele riu. E então, emendou: – Já sei… Você é Iemanjá!
-Não, Elfa. Mas tô quase assumindo minha natureza de rainha do mar.
-Foi mal. Me dá uma licencinha só um minuto? Posso roubar meu amigo aqui?
-Claro, vai lá. – Ela disse. – Vou pegar mais vodka. – Camila se levantou e saiu com seu longo vestido azul esvoaçante.

-Tá quase pegando hein garanhão?
-Porra Gui, maior empata foda hein?
-Foi mal aí, Don Juan. Cara… A Bia tá chorando lá em baixo, meu.
-A Bia? Chorando?
-O maluco lá, meu. Eu não entendi direito. A Su ta la com ela. Ele meio que deu um piti la e ela brigou com ele e ele virou uma porrada na cara dela, véio.
-Cê tá de sacanagem.
-Sério, cara. Ela ta lá inconsolável, meu. Vai lá. É tua chance, Bruno. Elas tão lá na piscina, perto da barraca da pizza.

Bruno desceu correndo as escadas.
Ele mal podia acreditar no que tinha ouvido. Além de escroto o vagabundo ainda batia em mulher? Enquanto descia, ouviu mentalmente os ecos sombrios da risada da caveira. Era ela.

CONTINUA

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.
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Comentários

  1. Boa tarde!!! Sei que aqui nao seria o local indicado mas, queria pedir uma opiniao sobre duas maquinas fotograficas e se pudesse me ajudar, ficaria muito grato. Estou entre uma Canon T5 e uma Nikon D3200. Qual seria sua opinião sobre essas maquinas e seu custo/beneficio. OBS.: Fotografias familiares e por hobby.

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