Infeliz ano velho

As pessoas gostam de desejar um feliz ano novo, melhor que o que passou. Se pensarmos nisso ao pé da letra, isso pressuporia que a cada novo ano deve ser melhor que o anterior, de modo que vamos numa linda passarela de uma aquarela que só pode melhorar. Se isso fosse verdade e não uma utopia, poderíamos dar um “infeliz ano velho” para as pessoas.

Pra falar a verdade, eu tenho uma séria desconfiança de que o ano que vem será melhor ou pior que este. Não sou um pessimista, mas é difícil ficar incólume a tantos sinais. Seja como for, esse último dia do ano é quase sempre legal e animado. Há uma energia no ar, uma sensação permanente de que a hora da grande festa se aproxima. E talvez meus erros de digitação não consigam disfarçar que já estou na companhia de uma caipirinha.

O que é chato mesmo na época do Reveillon são os clichês. Tem clichê pra caramba, em todo canto que você bata seus olhos, verá um clichê que se repete a cada 365 dias. Você liga a Tv e são as matérias sobre o bando de mineiros, paulistas ou goianos que desembarcam no Rio em busca de se juntar na muvuca e ver a queima de fogos na praia de Copacabana. O repórter, coitado, de terno, suando em bicas, entrevistando a banhista que trouxe presunto, queijo, farofa e as sobras do natal em vasilhas de alumínio ou plástico, e que já está preparada com as cadeiras de praia na areia, só esperando os shows. Corta para a passagem de som, vemos os roberts tentando aparecer na globo, acenando para a mãe… Corta para o estúdio e entra a matéria da roupa íntima de cor que chama dinheiro, chama amor, chama paz… Depois vem as simpatias, comer romã, sopa de sei la o que, moeda debaixo do prato, pular onda. Nova entrevista na rua com alguém que fala tudo errado e/ou alguém que já está bêbado.  Corta novamente para o recado da capitania dos portos, a matéria sobre fiscalização, a matéria nacional pelos engarrafamentos em direção ao mar…

No destaque, um africano ganha a São Silvestre, e as ruas que estarão fechadas para a queima de fogos. Grandes novidades, hein?

No facebook, esse tão recente amigo de todas as horas, sempre pronto e ao alcance de um clique para nos deprimir com a vida perfeita de todos os outros que não são você, estão os desejos de um 2015 maravilhoso, com saúde, paz e tudo aquilo que finaliza com “dinheiro no bolso, para dar e vender”.

A cada hora um vizinho animado testa os fogos. “Zííííín, papapá!”

Nos supermercados os heróis (ou loucos) de ultima hora se acotovelam em busca de comprar coisas para as festas. Todo mundo desejando feliz ano novo.

E aí você começa a sentir aquela pressão de ser obrigado a ser feliz. A mesma pressão que te obriga a estar feliz com a família no natal. A tv nos oferece seus clichês: A propaganda de margarina, a família que troca os pneus e faz balanceamento grátis para viajar, ou a família abraçada na neve desfrutando do passeio ao exterior das agências de turismo?

Nesse rolo todo com gosto de reprise, me pego pensando em quem foi o cara que inventou o Reveillon. Não resisti a investigar. Ao que tudo indica, o sujeito era bem famoso, um tal de Julio César, o imperador de Roma.

Em 46 Antes de Cristo, César resolveu estabelecer uma data para o ano novo começar. Não sei bem como era antes. Me parece que o ano começava em primeiro de Março. Muito louco saber que Cesar tirou a data da virada do ano do dia do aniversário da minha mãe e colocou no dia do aniversário da minha irmã. Os romanos já dedicavam o dia primeiro de janeiro a Jano, o deus dos portões. O mês de Janeiro deriva justamente desse nome de Jano, que tinha duas faces – uma voltada para frente (visualizando o futuro) e a outra para trás (visualizando o passado), que é praticamente a materialização do sentimento que todos temos na noite do dia de hoje.

Mas é curioso que embora o primeiro dia do ano tenha sido definido antes de Cristo, essa data mudou para outras depois.

Foi só recentemente que o dia 1 de janeiro voltou a ser o primeiro dia do ano (na nossa cultura ocidental). Até 1751, por exemplo, na Inglaterra e no País de Gales (e em todos os domínios britânicos), o ano-novo começava em 25 de março.

Durante a Idade Média, vários outros dias foram diversas vezes considerados como o início do ano civil (1 de março, 25 de março, 1 de setembro, 25 de dezembro).

Com a expansão da cultura ocidental para muitos outros lugares do mundo durante séculos recentes, o calendário gregoriano foi adotado por muitos outros países como o calendário oficial e a data de 1 de janeiro tornou-se global para se comemorar o ano-novo, mesmo em países com suas próprias celebrações em outros dias (como Israel, China e Índia).

Esse é o período em que vemos pessoas estabelecendo metas. A grande maioria delas costuma não ser cumpridas. Tem gente louca que faz umas metas meio estranhas, como “vou casar este ano” sendo que nem sequer tem namorado.

As metas mais famosas são a de emagrecer (com certeza), aprender uma língua, arrumar emprego, trocar de carro, ou sei lá o que.

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Eu não sou adepto de fazer promessas de ano novo. Penso que o importante é tentar espantar o baixo astral e se divertir ao máximo, afinal dias comuns teremos muitos pela frente, mas festas de fim de ano, a ampla maioria de nós não conseguirá celebrar nem cem delas.

Infeliz ano velho pra você.

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Feliz ano novo Philipe!

    Eu detesto o fim do ano. O barulho, o trânsito, as pessoas bêbadas estorvando, o consumismo débil e as pessoas que lotam os Centro Cirúrgicos com dedos amputados por rojões.

    Mas a galera adora isso…

    Um abraço!

  2. Oi Felipe
    O que você sabe sobre o caso Taman Shud? Você bem que podia fazer uma matéria sobre esse mistério.

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