A caixa – Parte 33

Quando eu vi que ia dar merda, não titubeei. Meti-lhe o ramalhete de flores do campo na cara, esmigalhando aqueles ridículos óculos escuros de marca.  Mas a falta do braço esquerdo cobrou seu preço.

O cara me agarrou pelo pescoço e me deu um puxão. Atravessei a porta e voei no ar, caindo de costas no jardim. Ele ainda cuspia as flores que não engoliu enquanto eu tentava me levantar. Vi o playboy vindo correndo na minha direção. Ele encheu o pé, e ia me dar um verdadeiro tiro de meta nas costelas.

Usei toda minha força para me empurrar com o braço direito, e vi quando o tênis de boa marca passou a poucos centímetros do meu peito, chutando o ar. Aproveitei o erro dele para ficar de pé. Ele veio para cima com os braços musculosos. Eu sabia que não ia ter jeito. Eu ia me foder. Meu destino seria o cemitério ou o hospital. Pra mim, era tudo ou nada. Levei um cruzado de direito que quase arrancou a minha cabeça do corpo.

Antes que eu pudesse  reagir, ele me agarrou num mata-leão e começou um terrível torniquete apertando meu pescoço. Com um só braço, eu não podia fazer muita coisa contra o playboy. Senti as pernas fraquejando e eu não conseguia respirar. Então em vez de tentar soltar o braço dele, que parecia concreto armado de tão duro, Agarrei-lhe os bagos. Meti a mão no saco do cara e esmigalhei com toda minha força.  Foi um momento mágico e maravilhoso. Em menos de um segundo ele perdeu as forças e parou de me apertar o pescoço. Mas eu não soltei. Estava agarrado ao saco daquele cara como nenhum chato da face da Terra jamais aderiu.

O cara berrava e me desferia socos, enquanto eu torcia as bolas dele. Eu queria arrancar o saco do filho da puta. Então eu desequilibrei, porque ele meio que me passou uma banda.  Cai estatelado. Eu realmente fiz um estrago nos ovos do filho da puta, porque em vez de aproveitar a chance e dar pisões na minha cara, ele agachou e começou a querer vomitar.

Com dificuldade eu levantei. Estava quase sem ar. As coisas rodavam, eu estava um farrapo, sujo e pinicando pela grama. Num, salto dei-lhe uma bicuda na têmpora. O cara caiu no gramado.

-Filho duma puuuuta! – Eu berrava. Saltei nas costas dele, e agora eu tentava aplicar uma gravata nele, mas eu estava bem prejudicado e fraco. O cara tossiu, mas antes que eu pudesse entender o que ele fazia, ele levantou comigo agarrado nas costas dele e começou a cambalear para trás. Caímos dentro da piscina.

Debaixo d´água as coisas estavam mais confusas. Tive que largar o playbou para respirar. Quando subi para pegar o ar, senti ele puxando a minha perna para baixo.

Engoli água.

Agora lutávamos debaixo d´água e enquanto eu tentava dar socos, o desgraçado torcia o meu braço morto. Eu não sentia absolutamente nada, mas aquilo me impedia de respirar. Na queda eu não tinha enchido o pulmão, mas ele sim. Começou a me dar um desespero. O cara era mais alto que eu, e ele conseguiu bater o pé no fundo e se impulsionar, me empurrando para o fundo. Desse jeito, ele respirou, e eu já estava engolindo água.

Tentei sair debaixo dele, mas ele me agarrou a camisa. Nadei para cima, tentando chegar na superfície, mas po9r ser mais forte e mais pesado, ele me empurrava para baixo cm facilidade. – “Maldita piscina profunda”. -Pensei.

Eu não sabia o que fazer.  Era o desespero total. Ali eu pressenti que ia morrer sem ver a Mara.

Numa fração de segundos, eu me lembrei do ponto fraco do playboy. Tentei agarrar-lhe o saco novamente. E assustado, ele percebeu minha intenção e me largou. Com um chute, me empurrou para longe dele, e começou a nadar para a margem. Eu estava debilitado,  afogando, já perdia as forças. Mas eu não estava disposto a entregar os pontos facilmente. Agora, depois da caixa, da velha, do mungo e de tudo, eu era um sobrevivente. Gastei meus últimos lampejos de energia do corpo para bater as pernas e chegar a superfície. Com desmedida sofreguidão, aspirei o ar puro do início da noite. Enchi o pulmão com duas boas respiradas.

Só então me dei conta que estava sozinho na piscina. O playboy tinha conseguido sair pela borda e estava correndo no jardim na direção da casa.

Com muito custo, consegui dar braçadas com meu único braço que funcionava, até a margem. Eu não tinha forças para subir na borda e tive que ir me agarrando e nadando pela lateral até a escada. Subi a escada com dificuldade, sentindo um puta frio me entranhar a alma.

Nisso, veio o playboy correndo, todo molhado, segurando um revólver.

“Agora fudeu!” – Pensei.

Eu levantei o braço direito, como quem diz: – “Me rendo.”

-Perdeu, babaca! – Ele gritou.

-Calma porra! – Gritei, temendo que aquelas fossem minhas últimas palavras.

PÁ! – Ele atirou. 

O tiro acertou de raspão o  meu braço morto, que estava pendurado. Foi como levar uma pedrada.

-Nããããão! – Ouvi um grito. Eu conhecia aquele grito. Olhamos os dois para cima. Na varanda do segundo andar da lindíssima casa de concreto e vidro, estava ela. Era a Mara.

Os cahorros da vizinhança começaram a latir freneticamente.

Eu não disse nada, nem o playboy. Eu senti o cheiro da carne queimada.

Então, eu caí.

Afundei no gramado. Talvez o tiro tivesse atravessado o braço e me acertado as entranhas. Eu senti o cheiro da grama. Senti minha roupa ensopada com a água da enorme piscina do quintal. Eu estava tonto.

Vi surgir o Playboy em cima de mim. Ele apontou o revolver na minha cara. Ainda saía fumaça do cano da arma. Era um Taurus, calibre 38…

-Abre a boca e fecha os olhos, portuga! – Disse ele com um sorriso maligno.

Vi o dedo no gatilho. Ele falava sério. Então era assim que ia acabar. Fechei os olhos, esperando o estampido.

Mas tudo que ouvi foi um barulho estranho, de carne batendo.

Abri os olhos e ali estava ele, no chão. Caído ao meu lado. Um homem enorme, forte, estava pegando a arma no gramado. Reconheci na hora. Era ele. O senhor Stênio, o pai da Mara.

-Mas que merda é essa aqui no meu quintal? Que porra é essa, Fabrício?

O Playboy não disse nada. Estava fazendo draminha, apertando o rosto. Percebi que o pai da Mara tinha dado uma lindíssima bifa bem no meio da cara do playboy.

-Seu Stênio… Sou eu. – Eu disse, tentando fazer minha voz soar normal.

Ele olhou pra mim. Lembrei na mesma hora como ele era parecido com o Ernest Hemingway.

-Eu sei quem você é. É o amigo da Mara. Que foi no hospital…

-Sim senhor.

-Você está bem? O que está fazendo aqui no meu quintal?

-Eu vim visitar a sua filha, mas esse cara aí tentou me matar.  – Eu disse, apontando para ele.

-É verdade isso? É verdade isso? É verdade isso, porra? – Gritou seu Stênio. O Playboy ficou imóvel, segurando queixo, tremendo de frio e ofegando. Stênio balançou a cabeça negativamente, sem tirar os olhos do playboy que ainda fazia drama, segurando o queixo. O tal do Fabrício estava sangrando pelo nariz. O velho era forte.

-O que você estava pensando, moleque? Ia matar esse rapaz na minha casa? Dentro da minha casa??? Com o meu revólver? 

O playboy não disse nada. Estava chorando. Era muito escroto mesmo.

Nisso, a porta de vidro se abriu. Veio a Mara, com o telefone sem fio na mão. Ela estava linda num penhoir branco de cetim e camisola.

-Pai! Pai! – Já chamei a polícia! – Ela gritou.

Então, parando diante da cena, ela me viu caído no chão, segurando meu braço morto que estava com um enorme ferimento causado pela bala. O playboy estava sentado na grama, perto da coluna de concreto, chorando feito uma gazela arrependida, sem nem mesmo ter a dignidade de pedir perdão, e o pai dela em pé,  segurava a arma, apontada para baixo.

-Não era assalto! – Disse Stênio.

-Quem é esse? – Ela perguntou apontando pra mim.

Então as coisas ficaram complicadas para o meu lado, porque o Seu Stênio me olhou com uma cara super estranha.

-Ué… Não sabe? Ele disse que é seu amigo.

-Amigo? – A Mara me olhava com um olhar desconfiado. -Não sei quem é não, pai.

-Sou eu. – Eu disse. – O Anderson.

-Desculpe, mas eu não estou… – Ela disse, meio sem jeito. Todos agora olhavam pra mim com grande desconfiança.

-Mara! A caixa! O Mungo! Lembra? Eu estava na caixa! O Anderson, da caixa!

Então a Mara ficou me olhando, ela não tinha nenhuma expressão.

-Anderson… – Ela disse. Então revirou os olhos e desfaleceu, caindo ali mesmo no gramado.

-Mas que merda é essa? – Disse o pai dela, agora apontando a arma pra mim.

-Foi ele seu Stênio, foi ele! – Disse o pela-saco do tal Fabrício, tentando induzir o velho a me balear. Felizmente, não funcionou.

O pai da Mara apontou a arma para ele.

-Sai daqui. – Ele gritou. O playboy estava meio sem ação.

-Mas seu Stênio…

-Sai porra! – Ele gritou, apontando a arma para o marombado. O sujeito não titubeou, saiu correndo pelo jardim e escapuliu pelo portão aberto.

Agora estávamos apenas ele e eu. A Mara estava caída no jardim. Stênio travou e botou a arma na cintura.

-Vem, me ajuda aqui. – Ele disse, levantando a jovem. Eu me ergui meio prejudicado. Puxei a porta de vidro e o seu Stênio levou a Mara no colo para um belíssimo sofá.

-Mara! Mara! – Dizia o velho, sacudindo a menina. Ele parecia completamente desesperado. Eu entendi o motivo. Tinha medo de ser outra crise. Mas eu sabia a verdade. Sabia que a Mara não tinha voltado para a caixa. Eu a havia libertado daquele inferno.

-Calma, seu Stênio. Ela vai voltar a si. Ela desmaiou porque lembrou de mim. – Eu disse, tentando acalmá-lo. O velho nem sequer ouviu.

-Volta minha filha, volta!

-Calma! – Eu disse, com a mão no ombro do pai dela. Afastei-o um pouco.

-Mara! Sou eu! O Anderson! – Eu falei no ouvido dela. Então, como numa mágica, ela abriu os olhos. Parecia surpresa.

-An…- Ela disse. Então abriu um lindo sorriso. – O pai de Mara ficou tão surpreso, que deu dois passos para trás e caiu, pesadamente sobre o sofá. Ele era a materialização do alívio.

-Graça s a Deus! – Gritou.

-Anderson! – Mara me abraçou, e então, antes que eu dissesse qualquer coisa, ela me lascou um beijão na boca. Daqueles de cinema.

CONTINUA

 

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Philipe Kling David
Philipe Kling Davidhttps://www.philipekling.com
Artista, escritor, formado em Psicologia e interessado em assuntos estranhos e curiosos.

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Comentários

  1. Muito bom! Já tava achando que Mara não ia lembrar de Anderson… Essa história está (quase) superando a do Zumbi.
    Só uma pergunta: Essa foto é de uma piscina?

  2. Só falta o cara recuperar o braço, mas essa tática de agarrar os bagos do inimigo de luta é o basico quando se está perdendo e nunca ninguém pensa nisso! \o/

  3. Sei… vai passar o verme para ele, está dentro dela, o tal verme alien. rs. Bom, o Anderson é mané! Burro mesmo, não tem calculo nenhum. E uma dica, 38″ Taurus, não tem trava, só pistola tem trava! Por isso revolver faz sucesso, não falha, falhou a munição o bicho pega na próxima… já a pistola…

    • Amigo Máximus, um dica (de quem já prestou serviço para a Forjas Taurus): os revólveres desta marca .38 tem trava, sim! Inclusive toda a linha de revólveres fabricada por eles, hoje, tem trava de segurança para atender a legislação americana e italiana.

      Os revólveres sem trava de segurança fabricados no Brasil, em geral, são modelos antigos.

    • Mas concordo contigo: também não sou muito fã de pistolas de carregador contínuo… Ainda maiscom a munição “duas em três” que a gente encontra no Brasil.

  4. Me passa o endereço do Anderson que vou mandar uns dvds de kung fu pra ele! Hehehehehehehe!

    Episódio emocionante e imprevisível.
    Eu realmente achei que o Anderson ia morrer.

    F0D4!!!

    • Vou dizer uma coisa que vai enlouquecer muita gente, mas…
      Tô me identificando mais com ‘A Caixa’ do que com o excelente ‘Zumbi’ (não me batam, não me batam!).

      Se sair livro, certamente vou comprar o meu na pré-venda! Aliás, fica aqui (mais uma vez) a sugestão: volumes das ‘Crônicas de Leonard’ – ‘O Caçador’ podia ser livro brinde.

      • Eu pensei em fazer livro sim, mas esta ficando muito gigantesco. Acho que ja ultrapassou a fronteira onde há o custo-benefício em termos de livro auto-editado. E eu nem sei quando que isso vai acabar… Pode ser a qualquer momento.

  5. Sua habilidade é incrível, sempre temo em escrever contos com muitos capítulos, pois acho que isso entediaria os leitores, porém aqui estou lendo o 33º capítulo de seu conto com a mesma ansiedade e admiração que senti ao ler o 1º capítulo.
    Você pretendia escrever o conto com tantos capítulos, ou você se animou conforme escrevia?
    Parabéns pelo blog, e principalmente por seus contos, você já me arrancou boas risadas com suas histórias.

    • Eu não sabia o que ia acontecer (ainda não sei). A verdade é que não vejo a hora disso aí acabar, mas até agora não acabou, e nem sei quando vai acabar. O conto está se escrevendo sozinho (é estranho dizer isso, mas é o que esta acontecendo)

  6. É mesmo, cara! Já estamos no 33° capítulo, só agora me dei conta disso!
    Puxa vida PHILLIPE, e nem vice fazia idéia de que ia tão longe, não é? Lembro de um capítulo que v.disse que ia por fim na história, isso foi bem lá atrás. V. Já escreveu outro tanto. Do jeito que a trama esta se derenrrolando vai dar tranqtruilamente para dobrar esse número, se v. tiver “saco”, é claro, porque assunto eu tenho certeza que tem!
    Não me canso de lhe dar os meus parabéns! Você merece!

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